Um salesiano no front da guerra na Ucrânia Destaque

Quarta, 17 Abril 2024 12:52 Escrito por  Svitlana Dukhovych – Vatican News
Um salesiano no front da guerra na Ucrânia O padre salesiano Oleh Ladnyuk, está no front da guerra na Ucrânia. ANS
Entrevista com o padre salesiano Oleh Ladnyuk, um salesiano no front da guerra na Ucrânia: “A proximidade é muito importante, as palavras vêm depois”.  

 

Como ele mesmo conta, com uma gentileza que não parece ter chegado do horror da guerra, ele está nestes dias “descansando um pouco" em Roma. O P. Oleh Ladnyuk é um sacerdote salesiano ucraniano, capelão militar na frente de batalha, entre os soldados que lutam em defesa do país e os civis que há mais de dois anos veem suas vidas sendo dizimadas. Ele leva ajuda humanitária para onde os mísseis estão caindo e, desses lugares, ajuda na evacuação de jovens e adultos - pelo menos 500 pessoas até agora; mas provavelmente são muito mais.

Atualmente, o salesiano - que exerce seu ministério em Dnipro e leciona História numa escola estatal da cidade – se encontra em Roma para participar, com outros dois sacerdotes e uma dezena de leigos de seu país, do curso de formação "Accompanying when Trauma Hits” (Acompanhar quando o trauma os atinge), organizado pela Universidade Pontifícia Salesiana em colaboração com a Faculdade de Ciências da Educação, com a Fundação Don Bosco nel Mondo e com a ‘Don Bosco Network’. O projeto visa fornecer ferramentas teórico-metodológicas para lidar com os traumas causados pela guerra.

 

Quem são os frequentadores deste curso?

O curso foi criado especificamente para a Ucrânia e o Oriente Médio. Da Ucrânia chegaram catequistas, professores e psicólogos, vindos das Casas salesianas e, também, de Donetsk, uma vez que metade do seu território está ocupado e eles precisam contribuir para a cura das feridas causadas pela guerra. O curso é muito interessante, pois trata dos temas dos traumas que a guerra produz: traumas que infelizmente nem sempre se consegue perceber durante os conflitos (feridas psicológicas podem-se abrir também depois de alguns anos de finda a guerra). Falamos, por exemplo, do luto. É um tema de extrema importância, porque muitas vezes precisamos lidar com pessoas que perderam um filho, um marido ou um pai... na guerra. Eles nos explicaram o que podemos perguntar, o que falar e quando calar. Por exemplo, uma frase que pode traumatizar é: “Vai ficar tudo bem”. Essas palavras não deveriam ser pronunciadas. Quem somos nós para dizer que tudo vai ficar bem? Também nos explicam outras coisas, muito importantes para nós, porque na Ucrânia faltam psicólogos que possam trabalhar com civis ou com militares, embora infelizmente no futuro a necessidade de psicólogos irá certamente aumentar. Isto certamente não nos torna psicólogos, mas nos dá a oportunidade de oferecer uma ajuda inicial deste tipo às pessoas que sofrem com os traumas da guerra.

 

Como o senhor vivenciou pessoalmente o acompanhamento de pessoas que sofreram a perda de entes queridos durante esses mais de dois anos de guerra em larga escala? Em sua opinião, o que é importante lembrar ao tentar consolar alguém?

Quando as pessoas estão sofrendo, elas geralmente não ouvem com os ouvidos, mas com o coração. As pessoas em luto geralmente estão com raiva do mundo, e isso é muito... difícil: as palavras a serem usadas dependem da situação, mas o mais importante de tudo é a presença, a sua presença. Estar próximo ajuda muito. Por exemplo, nos primeiros dias da guerra, quando as pessoas me perguntavam: 'Onde está esse Deus? Não podemos vê-lo? Tudo aqui está destruído, há tantos mortos"... eu não respondia. Ficava com essas pessoas e elas me diziam: "Agora vemos Deus em sua presença entre nós".

Também aqui, quando alguém perdeu um ente querido e estamos próximos dele, muitas vezes não precisamos “jogar” imediatamente palavras... Pareceria que você quer tornar-se um mestre, alguém que dá conselhos. A pessoa que sofre não quer um professor nessa hora, mas sim alguém próximo, com quem possa conversar sobre a dor que ele sente nessa hora.

 

Ao se comunicar com pessoas em contextos tão difíceis, o que é preciso considerar para não correr o risco de magoá-las?

Antes de tudo, é preciso deixar que as pessoas se acostumem com a situação. Não há necessidade de tentar falar imediatamente, de perguntar como estão as coisas. Não há necessidade de fazer muitas perguntas. É melhor esperar que a pessoa se adapte à situação e, só então, começar a falar. Aos poucos. Porque aqueles que sobreviveram à guerra guardam muitas emoções dentro de si. E, acredite: a maioria, 90% das pessoas que viveram a guerra, aos poucos, começará a contar muitas coisas.

É muito difícil entender alguém que veio da guerra. Por exemplo, tomo a mim mesmo como referência: cheguei à Itália e alguém me convidou para viajar. Outra pessoa me disse: 'Vamos a Turim visitar amigos'... E eu disse: 'Desculpe, vou ficar em Roma porque estou muito cansado'. E não se trata de cansaço físico, como quando você quer dormir. É um cansaço psicológico, que faz com que você não queira ir a lugar nenhum; queira apenas relaxar. Talvez perambular por Roma, olhar os parques e pronto. É um cansaço que ninguém consegue compreender, a menos que tenha passado pelo mesmo drama. É um grande cansaço psicológico causado pela guerra.

 

Desde o início da guerra, o senhor nunca deixou de apoiar as pessoas em áreas muito próximas da linha da frente. O senhor nos disse que a sua missão consiste em ajudar as pessoas a permanecerem “humanas”...

Sim, eu transferi mais de 500 pessoas de áreas muito perigosas... Se 10% destas pessoas, no momento da evacuação, me agradeceram, foi muito. Mas o importante é que, depois de um ano, depois de dois anos, eu recebo mensagens dizendo: 'Você nos salvou uma vez. Nós sempre nos lembramos disso e lhe agradecemos'. E eu nem sei de quem são essas mensagens. Por exemplo, vejo essas crianças que ajudei a escapar e agora têm novamente uma vida e penso: "Onde estaria esse menino, ou menina, essa família, se eu não os tivesse ajudado?".

Estou feliz porque dizem que você tem que viver sua vida ao máximo - e ainda mais viver sua vida sacerdotal ao máximo - e acho que é a coisa mais linda que eu poderia ter feito na vida. Porque a vida lhe dá uma chance e você diz a si mesmo: essa pode ser a melhor coisa da sua existência e, portanto, ou eu a aceito ou não a aceito; ou eu pulo ou não pulo. E quando você se joga, percebe que fez muitas coisas boas e continua vivo, porque nem mesmo a vida é dada como certa, porque você respondeu às demandas de sua existência. Porque tudo isso é bom.

Muitas pessoas me agradeceram e muitas disseram: "Vejo Deus através de você". Portanto, vamos continuar a ajudar e a trabalhar nas paróquias, levando ajuda àqueles que se encontram no front.

Fonte: Agência Info Salesiana – ANS

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Um salesiano no front da guerra na Ucrânia Destaque

Quarta, 17 Abril 2024 12:52 Escrito por  Svitlana Dukhovych – Vatican News
Um salesiano no front da guerra na Ucrânia O padre salesiano Oleh Ladnyuk, está no front da guerra na Ucrânia. ANS
Entrevista com o padre salesiano Oleh Ladnyuk, um salesiano no front da guerra na Ucrânia: “A proximidade é muito importante, as palavras vêm depois”.  

 

Como ele mesmo conta, com uma gentileza que não parece ter chegado do horror da guerra, ele está nestes dias “descansando um pouco" em Roma. O P. Oleh Ladnyuk é um sacerdote salesiano ucraniano, capelão militar na frente de batalha, entre os soldados que lutam em defesa do país e os civis que há mais de dois anos veem suas vidas sendo dizimadas. Ele leva ajuda humanitária para onde os mísseis estão caindo e, desses lugares, ajuda na evacuação de jovens e adultos - pelo menos 500 pessoas até agora; mas provavelmente são muito mais.

Atualmente, o salesiano - que exerce seu ministério em Dnipro e leciona História numa escola estatal da cidade – se encontra em Roma para participar, com outros dois sacerdotes e uma dezena de leigos de seu país, do curso de formação "Accompanying when Trauma Hits” (Acompanhar quando o trauma os atinge), organizado pela Universidade Pontifícia Salesiana em colaboração com a Faculdade de Ciências da Educação, com a Fundação Don Bosco nel Mondo e com a ‘Don Bosco Network’. O projeto visa fornecer ferramentas teórico-metodológicas para lidar com os traumas causados pela guerra.

 

Quem são os frequentadores deste curso?

O curso foi criado especificamente para a Ucrânia e o Oriente Médio. Da Ucrânia chegaram catequistas, professores e psicólogos, vindos das Casas salesianas e, também, de Donetsk, uma vez que metade do seu território está ocupado e eles precisam contribuir para a cura das feridas causadas pela guerra. O curso é muito interessante, pois trata dos temas dos traumas que a guerra produz: traumas que infelizmente nem sempre se consegue perceber durante os conflitos (feridas psicológicas podem-se abrir também depois de alguns anos de finda a guerra). Falamos, por exemplo, do luto. É um tema de extrema importância, porque muitas vezes precisamos lidar com pessoas que perderam um filho, um marido ou um pai... na guerra. Eles nos explicaram o que podemos perguntar, o que falar e quando calar. Por exemplo, uma frase que pode traumatizar é: “Vai ficar tudo bem”. Essas palavras não deveriam ser pronunciadas. Quem somos nós para dizer que tudo vai ficar bem? Também nos explicam outras coisas, muito importantes para nós, porque na Ucrânia faltam psicólogos que possam trabalhar com civis ou com militares, embora infelizmente no futuro a necessidade de psicólogos irá certamente aumentar. Isto certamente não nos torna psicólogos, mas nos dá a oportunidade de oferecer uma ajuda inicial deste tipo às pessoas que sofrem com os traumas da guerra.

 

Como o senhor vivenciou pessoalmente o acompanhamento de pessoas que sofreram a perda de entes queridos durante esses mais de dois anos de guerra em larga escala? Em sua opinião, o que é importante lembrar ao tentar consolar alguém?

Quando as pessoas estão sofrendo, elas geralmente não ouvem com os ouvidos, mas com o coração. As pessoas em luto geralmente estão com raiva do mundo, e isso é muito... difícil: as palavras a serem usadas dependem da situação, mas o mais importante de tudo é a presença, a sua presença. Estar próximo ajuda muito. Por exemplo, nos primeiros dias da guerra, quando as pessoas me perguntavam: 'Onde está esse Deus? Não podemos vê-lo? Tudo aqui está destruído, há tantos mortos"... eu não respondia. Ficava com essas pessoas e elas me diziam: "Agora vemos Deus em sua presença entre nós".

Também aqui, quando alguém perdeu um ente querido e estamos próximos dele, muitas vezes não precisamos “jogar” imediatamente palavras... Pareceria que você quer tornar-se um mestre, alguém que dá conselhos. A pessoa que sofre não quer um professor nessa hora, mas sim alguém próximo, com quem possa conversar sobre a dor que ele sente nessa hora.

 

Ao se comunicar com pessoas em contextos tão difíceis, o que é preciso considerar para não correr o risco de magoá-las?

Antes de tudo, é preciso deixar que as pessoas se acostumem com a situação. Não há necessidade de tentar falar imediatamente, de perguntar como estão as coisas. Não há necessidade de fazer muitas perguntas. É melhor esperar que a pessoa se adapte à situação e, só então, começar a falar. Aos poucos. Porque aqueles que sobreviveram à guerra guardam muitas emoções dentro de si. E, acredite: a maioria, 90% das pessoas que viveram a guerra, aos poucos, começará a contar muitas coisas.

É muito difícil entender alguém que veio da guerra. Por exemplo, tomo a mim mesmo como referência: cheguei à Itália e alguém me convidou para viajar. Outra pessoa me disse: 'Vamos a Turim visitar amigos'... E eu disse: 'Desculpe, vou ficar em Roma porque estou muito cansado'. E não se trata de cansaço físico, como quando você quer dormir. É um cansaço psicológico, que faz com que você não queira ir a lugar nenhum; queira apenas relaxar. Talvez perambular por Roma, olhar os parques e pronto. É um cansaço que ninguém consegue compreender, a menos que tenha passado pelo mesmo drama. É um grande cansaço psicológico causado pela guerra.

 

Desde o início da guerra, o senhor nunca deixou de apoiar as pessoas em áreas muito próximas da linha da frente. O senhor nos disse que a sua missão consiste em ajudar as pessoas a permanecerem “humanas”...

Sim, eu transferi mais de 500 pessoas de áreas muito perigosas... Se 10% destas pessoas, no momento da evacuação, me agradeceram, foi muito. Mas o importante é que, depois de um ano, depois de dois anos, eu recebo mensagens dizendo: 'Você nos salvou uma vez. Nós sempre nos lembramos disso e lhe agradecemos'. E eu nem sei de quem são essas mensagens. Por exemplo, vejo essas crianças que ajudei a escapar e agora têm novamente uma vida e penso: "Onde estaria esse menino, ou menina, essa família, se eu não os tivesse ajudado?".

Estou feliz porque dizem que você tem que viver sua vida ao máximo - e ainda mais viver sua vida sacerdotal ao máximo - e acho que é a coisa mais linda que eu poderia ter feito na vida. Porque a vida lhe dá uma chance e você diz a si mesmo: essa pode ser a melhor coisa da sua existência e, portanto, ou eu a aceito ou não a aceito; ou eu pulo ou não pulo. E quando você se joga, percebe que fez muitas coisas boas e continua vivo, porque nem mesmo a vida é dada como certa, porque você respondeu às demandas de sua existência. Porque tudo isso é bom.

Muitas pessoas me agradeceram e muitas disseram: "Vejo Deus através de você". Portanto, vamos continuar a ajudar e a trabalhar nas paróquias, levando ajuda àqueles que se encontram no front.

Fonte: Agência Info Salesiana – ANS

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