A gruta de Natal: onde o céu se encontra com a terra Destaque

Quinta, 18 Dezembro 2025 16:47 Escrito por  Pe. Fabio Attard, Reitor-Mor dos Salesianos
A gruta de Natal: onde o céu se encontra com a terra iStock.com
O mistério do Natal começa com um escândalo de amor: o grande que se faz pequeno. Não é uma imagem poética, mas a realidade mais espetacular da história humana.

 

Deus, o infinito, escolhe fazer-se finito; o onipotente escolhe a fragilidade de um recém-nascido que não sabe falar, nem andar, nem defender-se. É a gratuidade pura que se manifesta, um dom que não pede nada em troca, que não põe condições de acesso.

 

Reconhecer a gratuidade: Deus vem de forma incondicional

A gruta de Belém é a encruzilhada humana mais humilde que se possa imaginar. Não um palácio, nem um templo majestoso, nem sequer uma casa digna. Uma gruta, o refúgio para animais, em que o frio penetra e o cheiro é o da terra e da palha. Aqui não há barreiras de entrada, não é preciso convite, nem um fato especial. A porta está aberta a todos: aos pastores com as suas mantas sujas, aos pobres, aos excluídos, a quem não tem nada a oferecer senão a sua própria humanidade ferida.

São Paulo recorda-nos com palavras que atravessam os séculos: assumindo a condição de servo (Fil 2,7), o criador do universo despoja-se da sua glória, renuncia às suas prerrogativas divinas, para vestir os trapos do servo. Não vem como conquistador, nem como juiz severo que exige contas. Vem como quem serve, como quem se coloca no último lugar, como quem lava os pés antes ainda de ensinar a caminhar.

Essa gratuidade interpela-nos profundamente. Num mundo onde tudo tem um preço, onde cada relação parece basear-se no intercâmbio, onde o próprio amor muitas vezes se torna condicionado, o Natal recorda-nos que existe um dom completamente gratuito. Reconhecer essa gratuidade significa aceitar ser amado sem méritos, ser procurado quando se está longe, ser desejado quando alguém se sente indigno.

 

Interpretar a proximidade: Deus entre na nossa história

O segundo movimento do Natal é o da proximidade radical. Deus não observa a história humana de longe, como um espectador distante. Ele entra dentro da história, com os seus protagonistas tais como são: imperfeitos, contraditórios, frágeis. José com as suas dúvidas, Maria com os seus medos, os pastores com a sua marginalização social, os magos com a sua busca inquieta.

A nossa história pessoal, com todas as suas partes obscuras e as suas zonas de sombra, faz parte da sua história. Não somos estranhos, não somos hóspedes indesejados. Somos filhos e filhas, parte de uma família que Deus nunca renega. O Natal diz-nos que Deus não despreza a criação, não olha para as suas criaturas com desgosto ou desilusão. Pelo contrário, abraça-as precisamente na sua consistência, na sua humanidade autêntica.

Cada um de nós tem uma personalidade única, uma história irrepetível. Há quem seja exuberante e há quem seja reservado, quem seja forte e quem seja frágil, quem tenha feridas abertas e quem tenha cicatrizes ocultas. Deus veio ao nosso encontro exatamente onde estamos, não onde gostaríamos de estar ou onde pensamos dever estar. Vem ao encontro do alcoólico no seu bar, do preso na sua cela, da mãe exausta na sua cozinha, do estudante na solidão, do idoso no seu silêncio.

Mas essa proximidade não é estática nem resignada. Deus vem ao nosso encontro onde estamos para nos conduzir para onde merecemos estar. Não merecemos pelos nossos esforços ou pelas nossas virtudes, mas merecemos porque somos filhos amados. Merecemos a plenitude da vida, a alegria profunda, a dignidade recuperada, as relações sanadas. A proximidade de Deus é dinâmica: é uma mão estendida que nos convida a levantar-nos de novo, e uma voz que surra “vem mais adiante”; é uma presença que caminha ao nosso lado em direção a horizontes mais luminosos.

 

Escolher o acolhimento: a verdade bate à porta da liberdade

É este o terceiro movimento, talvez o mais delicado: o acolhimento. Na gruta joga-se o desafio da nossa vida. Não é um exagero retórico, mas a verdade mais profunda do nosso existir. Aquela gruta é a imagem de todas as nossas grutas interiores, daqueles espaços escondidos do coração onde se decide quem queremos ser.

A verdade – que não é uma ideia abstrata, mas uma pessoa, é aquele Menino na manjedoura – bate à porta da nossa liberdade. É um bater discreto, delicado, nunca violento. Deus poderia arrancar a porta, poderia impor-se pela força da sua onipotência. Mas escolhe mendigar. O divino torna-se mendigo da humanidade. Que paradoxo! Aquele que tudo criou pede-nos, a nós, suas criaturas, que Lhe ofereçamos um lugar.

A verdade chama, aguardando que a liberdade responda. Não há coação, não há manipulação. Há só um convite, renovado todos os dias, a todo o instante: “Queres escolher-Me?”. É a liberdade humana, ao mesmo tempo frágil e poderosa, que deve decidir. Podemos fechar a porta, podemos fazer de conta que não ouvimos, podemos adiar para amanhã. Ou então podemos abrir.

Escolher o acolhimento significa reconhecer a nossa indigência. Como aquela gruta era um espaço vazio pronto a ser preenchido, assim também nós devemos esvaziar-nos das nossas presunções, das nossas autossuficiências, dos nossos ídolos. O acolhimento requer espaço interior. Não podemos acolher Deus se já estamos cheios de nós mesmos.

Mas quando escolhemos abrir aquela porta, quando dizemos o nosso sim, acontece o milagre. A gruta pobre torna-se catedral de luz. A nossa vida habitual torna-se lugar de presença. As nossas fragilidades tornam-se espaços nos quais a graça pode atuar. O acolhimento transforma: já não somos os mesmos depois de haver acolhido aquela vida que vem visitar-nos.

O Natal, portanto, é esse tríplice movimento que nos envolve inteiramente: reconhecer a gratuidade escandalosa de um Deus que se faz pequeno; interpretar a proximidade de quem entra na nossa história concreta; escolher o acolhimento, abrindo a porta do coração à verdade. Na gruta de Belém, tal como na gruta do nosso coração, decide-se tudo. Cada Natal é a oportunidade de responder novamente àquela pergunta antiga e sempre nova: “Há lugar para Ele?”

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Última modificação em Quinta, 18 Dezembro 2025 17:05

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A gruta de Natal: onde o céu se encontra com a terra Destaque

Quinta, 18 Dezembro 2025 16:47 Escrito por  Pe. Fabio Attard, Reitor-Mor dos Salesianos
A gruta de Natal: onde o céu se encontra com a terra iStock.com
O mistério do Natal começa com um escândalo de amor: o grande que se faz pequeno. Não é uma imagem poética, mas a realidade mais espetacular da história humana.

 

Deus, o infinito, escolhe fazer-se finito; o onipotente escolhe a fragilidade de um recém-nascido que não sabe falar, nem andar, nem defender-se. É a gratuidade pura que se manifesta, um dom que não pede nada em troca, que não põe condições de acesso.

 

Reconhecer a gratuidade: Deus vem de forma incondicional

A gruta de Belém é a encruzilhada humana mais humilde que se possa imaginar. Não um palácio, nem um templo majestoso, nem sequer uma casa digna. Uma gruta, o refúgio para animais, em que o frio penetra e o cheiro é o da terra e da palha. Aqui não há barreiras de entrada, não é preciso convite, nem um fato especial. A porta está aberta a todos: aos pastores com as suas mantas sujas, aos pobres, aos excluídos, a quem não tem nada a oferecer senão a sua própria humanidade ferida.

São Paulo recorda-nos com palavras que atravessam os séculos: assumindo a condição de servo (Fil 2,7), o criador do universo despoja-se da sua glória, renuncia às suas prerrogativas divinas, para vestir os trapos do servo. Não vem como conquistador, nem como juiz severo que exige contas. Vem como quem serve, como quem se coloca no último lugar, como quem lava os pés antes ainda de ensinar a caminhar.

Essa gratuidade interpela-nos profundamente. Num mundo onde tudo tem um preço, onde cada relação parece basear-se no intercâmbio, onde o próprio amor muitas vezes se torna condicionado, o Natal recorda-nos que existe um dom completamente gratuito. Reconhecer essa gratuidade significa aceitar ser amado sem méritos, ser procurado quando se está longe, ser desejado quando alguém se sente indigno.

 

Interpretar a proximidade: Deus entre na nossa história

O segundo movimento do Natal é o da proximidade radical. Deus não observa a história humana de longe, como um espectador distante. Ele entra dentro da história, com os seus protagonistas tais como são: imperfeitos, contraditórios, frágeis. José com as suas dúvidas, Maria com os seus medos, os pastores com a sua marginalização social, os magos com a sua busca inquieta.

A nossa história pessoal, com todas as suas partes obscuras e as suas zonas de sombra, faz parte da sua história. Não somos estranhos, não somos hóspedes indesejados. Somos filhos e filhas, parte de uma família que Deus nunca renega. O Natal diz-nos que Deus não despreza a criação, não olha para as suas criaturas com desgosto ou desilusão. Pelo contrário, abraça-as precisamente na sua consistência, na sua humanidade autêntica.

Cada um de nós tem uma personalidade única, uma história irrepetível. Há quem seja exuberante e há quem seja reservado, quem seja forte e quem seja frágil, quem tenha feridas abertas e quem tenha cicatrizes ocultas. Deus veio ao nosso encontro exatamente onde estamos, não onde gostaríamos de estar ou onde pensamos dever estar. Vem ao encontro do alcoólico no seu bar, do preso na sua cela, da mãe exausta na sua cozinha, do estudante na solidão, do idoso no seu silêncio.

Mas essa proximidade não é estática nem resignada. Deus vem ao nosso encontro onde estamos para nos conduzir para onde merecemos estar. Não merecemos pelos nossos esforços ou pelas nossas virtudes, mas merecemos porque somos filhos amados. Merecemos a plenitude da vida, a alegria profunda, a dignidade recuperada, as relações sanadas. A proximidade de Deus é dinâmica: é uma mão estendida que nos convida a levantar-nos de novo, e uma voz que surra “vem mais adiante”; é uma presença que caminha ao nosso lado em direção a horizontes mais luminosos.

 

Escolher o acolhimento: a verdade bate à porta da liberdade

É este o terceiro movimento, talvez o mais delicado: o acolhimento. Na gruta joga-se o desafio da nossa vida. Não é um exagero retórico, mas a verdade mais profunda do nosso existir. Aquela gruta é a imagem de todas as nossas grutas interiores, daqueles espaços escondidos do coração onde se decide quem queremos ser.

A verdade – que não é uma ideia abstrata, mas uma pessoa, é aquele Menino na manjedoura – bate à porta da nossa liberdade. É um bater discreto, delicado, nunca violento. Deus poderia arrancar a porta, poderia impor-se pela força da sua onipotência. Mas escolhe mendigar. O divino torna-se mendigo da humanidade. Que paradoxo! Aquele que tudo criou pede-nos, a nós, suas criaturas, que Lhe ofereçamos um lugar.

A verdade chama, aguardando que a liberdade responda. Não há coação, não há manipulação. Há só um convite, renovado todos os dias, a todo o instante: “Queres escolher-Me?”. É a liberdade humana, ao mesmo tempo frágil e poderosa, que deve decidir. Podemos fechar a porta, podemos fazer de conta que não ouvimos, podemos adiar para amanhã. Ou então podemos abrir.

Escolher o acolhimento significa reconhecer a nossa indigência. Como aquela gruta era um espaço vazio pronto a ser preenchido, assim também nós devemos esvaziar-nos das nossas presunções, das nossas autossuficiências, dos nossos ídolos. O acolhimento requer espaço interior. Não podemos acolher Deus se já estamos cheios de nós mesmos.

Mas quando escolhemos abrir aquela porta, quando dizemos o nosso sim, acontece o milagre. A gruta pobre torna-se catedral de luz. A nossa vida habitual torna-se lugar de presença. As nossas fragilidades tornam-se espaços nos quais a graça pode atuar. O acolhimento transforma: já não somos os mesmos depois de haver acolhido aquela vida que vem visitar-nos.

O Natal, portanto, é esse tríplice movimento que nos envolve inteiramente: reconhecer a gratuidade escandalosa de um Deus que se faz pequeno; interpretar a proximidade de quem entra na nossa história concreta; escolher o acolhimento, abrindo a porta do coração à verdade. Na gruta de Belém, tal como na gruta do nosso coração, decide-se tudo. Cada Natal é a oportunidade de responder novamente àquela pergunta antiga e sempre nova: “Há lugar para Ele?”

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