Projeto de Vida para educadores: tempo esfacelado

Quarta, 06 Abril 2022 16:30 Escrito por  Pe. João Mendonça, SDB
Projeto de Vida para educadores: tempo esfacelado iStock.com
No primeiro artigo dessa série sobre Projeto de Vida para educadores apresentei o caminho da mudança de paradigma comunicacional entre educador e educando. É urgente passar da era do emissor e receptor para o diálogo entre sujeitos.    

Vivemos uma crise grave e profunda do humanismo. O marco desse processo foi a pandemia da Covid-19. A história até o início da pandemia, em março de 2020, foi a grande bola de neve que foi esmagando o mundo, deixando atrás de si mortos e muitas lágrimas, isolamento, fome, desemprego, o lucro acima da vida. Ficou escancarada a globalização da morte e do negacionismo.

 

A globalização da economia, da cultura, da política, da religiosidade; enfim, de uma aldeia global conectada pelas novas tecnologias, demonstrou o quanto somos frágeis e como o meio ambiente ameaçado e esgotado com a crise sanitária, pode trazer de volta as trevas da inverdade – as chamadas “fake News” – que pariram a “pós-verdade líquida”, expressão criada pelo sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017) e seguido por outros pensadores do século XXI.

 

Esfacelamento dos vínculos humanos

Esse cenário da produção da desinformação implicou em perdas de vidas humanas e, no Brasil, de modo especial, em uma verdadeira máquina oportunista que politizou as vacinas, negou a ciência, polarizou a vida social e fez-nos regredir no tempo; importou ideologias neocolonizadoras perturbadoras, ultraconservadoras, rompendo os vínculos construídos pela democracia de forma influenciada pelo fantasma de um comunismo criado à sombra da mentira.

 

O tempo esfacelado é um projeto claro de poder que afetou a educação, a cultura, o bem viver. Cresceu assim a necropolítica, ou seja, um sistema cultural que promove a morte da diferença e cria a indiferença. Nesse sentido, o Papa Francisco, várias vezes, tem chamado a atenção para uma humanidade que não toca mais a carne do ser humano. O distanciamento do olhar, o medo de compromisso com o outro, a falta de compaixão constituem-se em um novo normal, em uma forma de destruir o outro e, sobretudo, a “casa comum”, expulsando da vida social os vulneráveis.

 

Um novo período e uma nova história

O tempo esfacelado afetou profundamente a educação. A história que passou parece sumir dos planos do presente e acordar velhos modos de vida social, fundamentados na violência, no neocolonialismo cultural, em um regime teocrático, racista e preconceituoso que nega a razão e a ciência e endeusa o subjetivismo exacerbado.

 

Está em gestação uma nova história. Porém, há uma convicção, não teremos sucesso nessa nova construção sem estarmos juntos, sem caminharmos juntos; caso contrário, iremos sucumbir todos e todas num grande vazio existencial.

 

É urgente, por conseguinte, resgatar o saber ver. Quem nos ilumina nesse processo é o filósofo Nietzsche, em sua obra Crepúsculo dos ídolos (1888), na qual ele convoca o educador a algumas tarefas: saber ler, saber pensar, saber falar e saber escrever. Trata-se de um fenômeno que nos ajuda a contemplar com os olhos, a não reagir de forma abrupta a todos os estímulos, pois deixar-se guiar pelo impulso é doença e decadência; enquanto chegar à contemplação é alcançar soberania e equilíbrio.

 

A educação geme em dores de parto

Esse processo de construção de uma nova história contemplativa em comunhão de pessoas, numa nova humanização, exigirá de todos nós, educadores, um novo paradigma da comunicação educativa. Será necessário, penso eu, entender que educação é ação mistagógica, quer dizer, é fazer caminho com o educando, sendo servidor do conhecimento compartilhado nas vivências dos sujeitos e sabendo encontrar o outro, ouvi-lo e discernir com ele.

 

O educador será o mistagogo à medida em que, ao longo do processo, escutar as perguntas, dialogar a partir das expectativas e redescobrir as formas, como um oleiro que purifica a argila e se deixa interpelar por suas formas. Mas, como nem tudo é fácil, é necessário ter presentes as tramas desse novo processo: esse é o tema do próximo artigo.

 

Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.

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Projeto de Vida para educadores: tempo esfacelado

Quarta, 06 Abril 2022 16:30 Escrito por  Pe. João Mendonça, SDB
Projeto de Vida para educadores: tempo esfacelado iStock.com
No primeiro artigo dessa série sobre Projeto de Vida para educadores apresentei o caminho da mudança de paradigma comunicacional entre educador e educando. É urgente passar da era do emissor e receptor para o diálogo entre sujeitos.    

Vivemos uma crise grave e profunda do humanismo. O marco desse processo foi a pandemia da Covid-19. A história até o início da pandemia, em março de 2020, foi a grande bola de neve que foi esmagando o mundo, deixando atrás de si mortos e muitas lágrimas, isolamento, fome, desemprego, o lucro acima da vida. Ficou escancarada a globalização da morte e do negacionismo.

 

A globalização da economia, da cultura, da política, da religiosidade; enfim, de uma aldeia global conectada pelas novas tecnologias, demonstrou o quanto somos frágeis e como o meio ambiente ameaçado e esgotado com a crise sanitária, pode trazer de volta as trevas da inverdade – as chamadas “fake News” – que pariram a “pós-verdade líquida”, expressão criada pelo sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017) e seguido por outros pensadores do século XXI.

 

Esfacelamento dos vínculos humanos

Esse cenário da produção da desinformação implicou em perdas de vidas humanas e, no Brasil, de modo especial, em uma verdadeira máquina oportunista que politizou as vacinas, negou a ciência, polarizou a vida social e fez-nos regredir no tempo; importou ideologias neocolonizadoras perturbadoras, ultraconservadoras, rompendo os vínculos construídos pela democracia de forma influenciada pelo fantasma de um comunismo criado à sombra da mentira.

 

O tempo esfacelado é um projeto claro de poder que afetou a educação, a cultura, o bem viver. Cresceu assim a necropolítica, ou seja, um sistema cultural que promove a morte da diferença e cria a indiferença. Nesse sentido, o Papa Francisco, várias vezes, tem chamado a atenção para uma humanidade que não toca mais a carne do ser humano. O distanciamento do olhar, o medo de compromisso com o outro, a falta de compaixão constituem-se em um novo normal, em uma forma de destruir o outro e, sobretudo, a “casa comum”, expulsando da vida social os vulneráveis.

 

Um novo período e uma nova história

O tempo esfacelado afetou profundamente a educação. A história que passou parece sumir dos planos do presente e acordar velhos modos de vida social, fundamentados na violência, no neocolonialismo cultural, em um regime teocrático, racista e preconceituoso que nega a razão e a ciência e endeusa o subjetivismo exacerbado.

 

Está em gestação uma nova história. Porém, há uma convicção, não teremos sucesso nessa nova construção sem estarmos juntos, sem caminharmos juntos; caso contrário, iremos sucumbir todos e todas num grande vazio existencial.

 

É urgente, por conseguinte, resgatar o saber ver. Quem nos ilumina nesse processo é o filósofo Nietzsche, em sua obra Crepúsculo dos ídolos (1888), na qual ele convoca o educador a algumas tarefas: saber ler, saber pensar, saber falar e saber escrever. Trata-se de um fenômeno que nos ajuda a contemplar com os olhos, a não reagir de forma abrupta a todos os estímulos, pois deixar-se guiar pelo impulso é doença e decadência; enquanto chegar à contemplação é alcançar soberania e equilíbrio.

 

A educação geme em dores de parto

Esse processo de construção de uma nova história contemplativa em comunhão de pessoas, numa nova humanização, exigirá de todos nós, educadores, um novo paradigma da comunicação educativa. Será necessário, penso eu, entender que educação é ação mistagógica, quer dizer, é fazer caminho com o educando, sendo servidor do conhecimento compartilhado nas vivências dos sujeitos e sabendo encontrar o outro, ouvi-lo e discernir com ele.

 

O educador será o mistagogo à medida em que, ao longo do processo, escutar as perguntas, dialogar a partir das expectativas e redescobrir as formas, como um oleiro que purifica a argila e se deixa interpelar por suas formas. Mas, como nem tudo é fácil, é necessário ter presentes as tramas desse novo processo: esse é o tema do próximo artigo.

 

Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP.

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