O sangue é lavado, e os cartuchos das balas são retirados. Mas o medo fica. Expulsar esse medo do Jacarezinho, uma das maiores e mais violentas comunidades do Rio de Janeiro, é um desafio. Um desafio que os missionários de Dom Bosco - como o padre Natale Vitali, italiano - querem vencer. Ele chegou à comunidade em 2020, um ano antes que uma operação policial se transformasse em massacre — o segundo mais letal da história da cidade, superado apenas o do último dia 28 de outubro, nos bairros do Alemão e da Penha (138 mortos).
O sacerdote, que viu armas desde o primeiro dia em que entrou no Jacarezinho, conhecia uma das 28 pessoas assassinadas em 6 de maio de 2021, durante a incursão de mais de 200 agentes para prender 21 membros de uma facção de narcotráfico. “Era um garoto: sempre ficava em frente à nossa paróquia e à nossa escola; e sempre nos cumprimentava. Numa das missas que celebrei nas seis comunidades locais, lembramos os nomes e rostos das vítimas daquele massacre, que ainda está muito vivo na memória”, conta o salesiano, que acaba de concluir seu mandato como superior da Inspetoria São João Bosco, de Belo Horizonte.
Longe da violência
A violência está profundamente enraizada no Jacarezinho. Os números não deixam dúvida: é a segunda comunidade com mais mortes em operações policiais. De 2007 a 2023, segundo o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI), da Universidade Federal Fluminense, foram registradas 348 ações policiais com 216 mortos.
Essa violência afeta também a educação dos jovens: as aulas são canceladas, escolas são fechadas e muitos acabam vendo no tráfico a única forma de ganhar algum dinheiro. “Quando a polícia entra na favela, o medo é constante”, diz o padre Vitali. “Não é uma realidade fácil: muita gente não quer viver aqui. As crianças e os adolescentes muitas vezes não recebem uma boa educação, e a relação com os pais — que, em muitos casos, não estudaram — é frágil. Eles não percebem a importância de educar bem os filhos”.
Os refúgios dos jovens de Jacarezinho são a paróquia Nossa Senhora Auxiliadora, que abriga o oratório festivo Dom Bosco, e a Escola Alberto Monteiro de Carvalho, com mais de 500 alunos. Há três anos, depois das aulas e do almoço, eles participam do projeto de iniciação à informática, coordenado pelo padre Vitali, que o chama de ‘Curso de Inclusão Digital’. As crianças e adolescentes, entre 6 e 14 anos, aprendem a usar o computador — muitos o veem pela primeira vez — com o apoio de professores contratados graças ao financiamento da ONG italiana Missões Dom Bosco, da cidade de Turim.
“Essa é uma das nossas ‘oficinas’, mas não se limita à informática”, explica o sacerdote. “Trabalhamos também a sensibilização e os valores morais e sociais. Começamos em 2022, quando a inspetoria comprou os primeiros equipamentos. O número de participantes cresce a cada ano: em 2022 eram 45, em 2023 chegaram a 150, em 2024 a 200; hoje já são 265 alunos. É difícil fazê-los ir embora quando o curso termina, porque se sentem bem nesse ambiente de família”.
A alternativa salesiana
No próximo ano letivo, no início de 2026, o projeto de inclusão digital deve receber ainda mais alunos. “Estamos ampliando a escola; e, quando a obra terminar, se Deus quiser, poderemos acolher mais 200 alunos”, informa o padre Vitali. Desde 2024, o curso também foi estendido aos pais dos alunos.
O impacto positivo da obra salesiana em Jacarezinho pode ser medido pelos testemunhos que o padre recebe de ex-alunos: “Há pouco tempo, conversei com dois deles. Um começou a trabalhar numa empresa de informática e me disse que o curso de inclusão digital mudou sua mente e seu coração. O outro nos doou o primeiro salário para ajudar a manter o projeto”.
A missão dos Salesianos continuará: educando crianças e jovens, protegendo-os da violência e oferecendo uma alternativa ao tráfico de drogas. A fé em Deus nos ajuda muito a trabalhar perto deles. Ela nos dá força, esperança e alegria para continuar anunciando o Evangelho - mesmo quando o medo, que lutamos para vencer, ainda vive dentro de nós”.
Por: Pietro Piga
Vatican News