Os novos mártires

Quarta, 13 Abril 2016 07:56 Escrito por  Bruno Ferrero – Bollettino Salesiano
Os novos mártires Syrian refugee children in Domiz camp northern Iraq Photo Peter BiroIRC
A cada ano, 100 mil cristãos são assassinados por causa da sua fé. São 273 por dia, 11 por hora. O cristianismo é a religião mais perseguida no mundo, tanto que 80% de todos os atos de discriminação cometidos no mundo são dirigidos contra os cristãos. Na indiferença quase que total do Ocidente.

O cristianismo é, hoje, a religião mais perseguida no mundo. Os massacres no Iraque, Síria, Sudão, Nigéria; os cristãos sendo forçados a converterem-se ou a morrer sob a espada dos jihadistas; os casos na China, Eritreia, Irã, Arábia Saudita. São narrados pelos jornais em pequenas notas, como se fossem histórias isoladas, de assassinatos eventuais nos palcos da guerra, sem qualquer origem ideológica, de pessoas culpadas simplesmente por serem cristãs.

Desde a Segunda Guerra Mundial até hoje, 10 milhões de cristãos encaminharam-se ao exílio do mundo árabe-islâmico. Na Turquia, cerca de dois milhões de cristãos passaram aos atuais 85 mil, 0,2% da população. No Líbano, o país árabe onde os cristãos maronitas durante décadas tiveram o comando da nação, passaram de 55% da população para 30%. No Egito, a população cristã sempre foi declarada em 20% do total, agora caiu para menos de 10%. Eram 18% na Jordânia, mas hoje são 2%. Na Síria, as comunidades cristãs representaram um quarto da população, mas hoje caíram para 5%, percentuais que estão se reduzindo ainda mais devido à guerra civil em curso.

Desde então, muitos cristãos foram presos e condenados à morte por atividades relacionadas ao proselitismo, mas nunca foram executados. Muitas igrejas foram fechadas, dezenas de jovens iranianos, na sua maioria convertidos do islamismo, foram presos e torturados, assim como muitos pastores são mantidos sob estreita vigilância.

A Coreia do Norte e o Laos são ditaduras comunistas e ateístas nas quais o anticristianismo é um dogma do Estado. Em Pyongyang, desde que o regime foi instaurado em 1953, desapareceram 300 mil cristãos e agora estima-se que 70 mil sofram nos terríveis campos de prisioneiros por causa de sua fé. O Afeganistão está em segundo lugar, sendo um país onde, oficialmente, não há igrejas (exceto as capelas privadas dentro das embaixadas). Segue a Arábia Saudita, guardiã de Meca e Medina, que proíbe oficialmente todo o culto não islâmico e fala-se dos cristãos, oficialmente, apenas nas embaixadas.

"Trata-se de um genocídio em curso que merece um alarme global", escreveu recentemente Ayaan Hirsi Ali, na Newsweek. Nos últimos dez anos, a guerra religiosa fez dois mil mortos somente no estado nigeriano de Plateau, 13 mil em toda a Nigéria. "Números otimistas", dizem as organizações humanitárias que falam de massacres muito piores. O objetivo dos massacres é mudar a geografia religiosa do continente africano. Desde 2001, no estado de Kano, foram mortas mais de 10 mil pessoas, quase todos cristãos. Trezentas igrejas e propriedades foram destruídas. Os refugiados são incontáveis. De 2009 até agora, pelo menos 50 igrejas foram destruídas e 10 pastores foram mortos pelo Boko Haram.

Em face dessas mortes, a atitude é muitas vezes semelhante àquela que, vendo as notícias de um cristão morto na Síria hoje, um amanhã no Iraque, outro depois de amanhã no Sudão, Nigéria, Eritreia, Arábia Saudita, no Irã, enxugam-se as lágrimas, sem muita convicção, dizendo para si mesmo: mas o que se pode fazer, desculpe, na guerra há muitas pessoas que morrem, e quando se está em guerra, entre os muitos que morrem, há certamente também cristãos.

 

Existirão então, cristãos no Oriente Médio no Terceiro Milênio?

Rupert Shortt, jornalista e escritor inglês muito conhecido, em um recente livro fala de "cristianofobia".  A sua viagem global sobre a perseguição aos cristãos, "uma fé sob ataque". Shortt foi a Jos, na Nigéria, gigantesco mosaico de religiões que pegou fogo há um ano; em Karachi, no profundo Paquistão; entre as igrejas protestantes da "moderada" Indonésia, mas também em Orissa, na Índia e na China, onde a repressão contra o cristianismo, de feroz que era, tornou-se mais dissimulada (ocasionalmente o regime decide que a lei em vigor é ser ateu e qualquer um perde a vida, começando pelos padres mais idosos, que às dezenas perecem e definham nas prisões do Estado).

E depois no Egito, onde os coptas sofrem discriminações, ameaças e agressões coletivas e, desde a eclosão da "primavera árabe", tomaram as trincheiras; na Síria, na cidade de Rable, berço do cristianismo paulino, os terroristas destruíram recentemente o templo do profeta Elias; na Argélia, onde os cristãos são obrigados a suportar discriminações constantes. A situação mais dramática é a do Iraque, onde os cristãos são vítimas de extorsão, sequestros, torturas e assassinatos. As igrejas são incendiadas; muitos sacerdotes, inclusive o bispo caldeu de Mosul, dom Paulos Faraj Rahho, foram assassinados.

"Há um altíssimo risco de que as igrejas desapareçam das terras bíblicas", diz Shortt. Os números são impressionantes, um veredito. Os cristãos eram 95% da população do Oriente Médio no século VII, 20% em 1945, 6% hoje e estima-se, que em 2020, esse percentual se reduzirá pela metade. "Existirão então cristãos no Oriente Médio no Terceiro Milênio?", se perguntava o diplomata francês Jean-Pierre Valognes no livro Vie et mort des chrétiens d'Orient, publicado em 1994. Não, segundo Shortt.

O exílio, a alienação e a estranheza desses cristãos do oriente, testemunhas da mais antiga memória cristã do mundo, são representados pelo funeral dos três cristãos assassinados em Malatya, na Turquia, um alemão e dois turcos, presos, enforcados e degolados por islâmicos em 2007, apenas porque imprimiam Bíblias. O funeral foi realizado na igreja Batista de Buca, com a total indiferença da população. Os muçulmanos presentes eram apenas os jornalistas e delegados do prefeito. Depois de uma cerimônia de duas horas, os caixões foram transportados para o cemitério em Karalabas, sepultados com músicas e sermões na sombra de dois ciprestes. No lugar da lápide, um grande coração vermelho de metal com as palavras pintadas “Yamasak Mesihtir Ölmekse Kazanç”, trecho de São Paulo: "Para mim viver é Cristo e morrer é uma compensação." Epitáfio triste para as últimas comunidades que falam a língua de Jesus.

 

As hóstias ensanguentadas

Foi um milagre, não há mais nada a dizer. A bomba de gás que atinge a abóbada da igreja a danifica, mas não explode. Rola e cai sobre o telhado do edifício, feito de simples telhas de barro apoiadas por grandes colunas de madeira e concreto. Só então, quando não era mais capaz de causar um estrago, explodiu estrondosamente. Padre Ibrahim Alsabagh, o pároco franciscano da catedral latina de Aleppo, disse: "Os jihadistas escolheram com crueldade o lugar e o momento preciso para atacar, de modo a causar o maior dano possível nas pessoas e estruturas especificamente cristãs". "Eu tinha o Santíssimo Sacramento na mão e estava distribuindo a comunhão. Eu já tinha distribuído a cinco ou seis fiéis, quando senti um ruído distante, não de grande intensidade, como algo pesado que estivesse caindo sobre o telhado da igreja. Não se passaram dez segundos e todo o edifício começou a tremer sem parar sob os meus pés. Pedras e pedaços de vidro caíam sobre nós, eu não podia ver quase nada por causa da poeira".

"Na sacristia, percebi que as hóstias sagradas no cibório foram manchadas com o sangue dos fiéis. As hóstias sagradas misturadas com o sangue de seu povo são um sinal da presença de Deus e de união conosco. Deus é fortemente presente, sofre conosco, sempre se une a cada um de nós em nosso sofrimento", acrescenta o pároco.

O povo, naquele momento, estava apavorado, não sabia o que fazer: "Eu convidei os fiéis a sair para o jardim e lá continuei a distribuição da Sagrada Comunhão. Nós recitamos um Pai Nosso e uma Ave Maria, em agradecimento ao Senhor e à sua mãe Maria, concluindo com a bênção solene".

Aleppo é cercada, os militantes bombardeiam incessantemente os bairros da cidade. Faltam água e eletricidade, não há nem iogurte, observa padre Ibrahim sorrindo. O que não falta, no entanto, é a fé, a certeza de que no final tudo passará. Uma mensagem enviada pelo oriente próximo para os cristãos ocidentais que "precisam despertar".

Este genocídio nos coloca diante do mistério pelo qual tantos cristãos no Ocidente estão lutando para viver por aquilo que muitos cristãos estão dispostos a morrer nos países do Oriente Médio.

 

Texto originalmente publicado em: Bollettino Salesiano – Itália. Janeiro de 2016, páginas 6 a 9.

 

Tradução: Elaine Tozetto

 

Avalie este item
(0 votos)

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.


Os novos mártires

Quarta, 13 Abril 2016 07:56 Escrito por  Bruno Ferrero – Bollettino Salesiano
Os novos mártires Syrian refugee children in Domiz camp northern Iraq Photo Peter BiroIRC
A cada ano, 100 mil cristãos são assassinados por causa da sua fé. São 273 por dia, 11 por hora. O cristianismo é a religião mais perseguida no mundo, tanto que 80% de todos os atos de discriminação cometidos no mundo são dirigidos contra os cristãos. Na indiferença quase que total do Ocidente.

O cristianismo é, hoje, a religião mais perseguida no mundo. Os massacres no Iraque, Síria, Sudão, Nigéria; os cristãos sendo forçados a converterem-se ou a morrer sob a espada dos jihadistas; os casos na China, Eritreia, Irã, Arábia Saudita. São narrados pelos jornais em pequenas notas, como se fossem histórias isoladas, de assassinatos eventuais nos palcos da guerra, sem qualquer origem ideológica, de pessoas culpadas simplesmente por serem cristãs.

Desde a Segunda Guerra Mundial até hoje, 10 milhões de cristãos encaminharam-se ao exílio do mundo árabe-islâmico. Na Turquia, cerca de dois milhões de cristãos passaram aos atuais 85 mil, 0,2% da população. No Líbano, o país árabe onde os cristãos maronitas durante décadas tiveram o comando da nação, passaram de 55% da população para 30%. No Egito, a população cristã sempre foi declarada em 20% do total, agora caiu para menos de 10%. Eram 18% na Jordânia, mas hoje são 2%. Na Síria, as comunidades cristãs representaram um quarto da população, mas hoje caíram para 5%, percentuais que estão se reduzindo ainda mais devido à guerra civil em curso.

Desde então, muitos cristãos foram presos e condenados à morte por atividades relacionadas ao proselitismo, mas nunca foram executados. Muitas igrejas foram fechadas, dezenas de jovens iranianos, na sua maioria convertidos do islamismo, foram presos e torturados, assim como muitos pastores são mantidos sob estreita vigilância.

A Coreia do Norte e o Laos são ditaduras comunistas e ateístas nas quais o anticristianismo é um dogma do Estado. Em Pyongyang, desde que o regime foi instaurado em 1953, desapareceram 300 mil cristãos e agora estima-se que 70 mil sofram nos terríveis campos de prisioneiros por causa de sua fé. O Afeganistão está em segundo lugar, sendo um país onde, oficialmente, não há igrejas (exceto as capelas privadas dentro das embaixadas). Segue a Arábia Saudita, guardiã de Meca e Medina, que proíbe oficialmente todo o culto não islâmico e fala-se dos cristãos, oficialmente, apenas nas embaixadas.

"Trata-se de um genocídio em curso que merece um alarme global", escreveu recentemente Ayaan Hirsi Ali, na Newsweek. Nos últimos dez anos, a guerra religiosa fez dois mil mortos somente no estado nigeriano de Plateau, 13 mil em toda a Nigéria. "Números otimistas", dizem as organizações humanitárias que falam de massacres muito piores. O objetivo dos massacres é mudar a geografia religiosa do continente africano. Desde 2001, no estado de Kano, foram mortas mais de 10 mil pessoas, quase todos cristãos. Trezentas igrejas e propriedades foram destruídas. Os refugiados são incontáveis. De 2009 até agora, pelo menos 50 igrejas foram destruídas e 10 pastores foram mortos pelo Boko Haram.

Em face dessas mortes, a atitude é muitas vezes semelhante àquela que, vendo as notícias de um cristão morto na Síria hoje, um amanhã no Iraque, outro depois de amanhã no Sudão, Nigéria, Eritreia, Arábia Saudita, no Irã, enxugam-se as lágrimas, sem muita convicção, dizendo para si mesmo: mas o que se pode fazer, desculpe, na guerra há muitas pessoas que morrem, e quando se está em guerra, entre os muitos que morrem, há certamente também cristãos.

 

Existirão então, cristãos no Oriente Médio no Terceiro Milênio?

Rupert Shortt, jornalista e escritor inglês muito conhecido, em um recente livro fala de "cristianofobia".  A sua viagem global sobre a perseguição aos cristãos, "uma fé sob ataque". Shortt foi a Jos, na Nigéria, gigantesco mosaico de religiões que pegou fogo há um ano; em Karachi, no profundo Paquistão; entre as igrejas protestantes da "moderada" Indonésia, mas também em Orissa, na Índia e na China, onde a repressão contra o cristianismo, de feroz que era, tornou-se mais dissimulada (ocasionalmente o regime decide que a lei em vigor é ser ateu e qualquer um perde a vida, começando pelos padres mais idosos, que às dezenas perecem e definham nas prisões do Estado).

E depois no Egito, onde os coptas sofrem discriminações, ameaças e agressões coletivas e, desde a eclosão da "primavera árabe", tomaram as trincheiras; na Síria, na cidade de Rable, berço do cristianismo paulino, os terroristas destruíram recentemente o templo do profeta Elias; na Argélia, onde os cristãos são obrigados a suportar discriminações constantes. A situação mais dramática é a do Iraque, onde os cristãos são vítimas de extorsão, sequestros, torturas e assassinatos. As igrejas são incendiadas; muitos sacerdotes, inclusive o bispo caldeu de Mosul, dom Paulos Faraj Rahho, foram assassinados.

"Há um altíssimo risco de que as igrejas desapareçam das terras bíblicas", diz Shortt. Os números são impressionantes, um veredito. Os cristãos eram 95% da população do Oriente Médio no século VII, 20% em 1945, 6% hoje e estima-se, que em 2020, esse percentual se reduzirá pela metade. "Existirão então cristãos no Oriente Médio no Terceiro Milênio?", se perguntava o diplomata francês Jean-Pierre Valognes no livro Vie et mort des chrétiens d'Orient, publicado em 1994. Não, segundo Shortt.

O exílio, a alienação e a estranheza desses cristãos do oriente, testemunhas da mais antiga memória cristã do mundo, são representados pelo funeral dos três cristãos assassinados em Malatya, na Turquia, um alemão e dois turcos, presos, enforcados e degolados por islâmicos em 2007, apenas porque imprimiam Bíblias. O funeral foi realizado na igreja Batista de Buca, com a total indiferença da população. Os muçulmanos presentes eram apenas os jornalistas e delegados do prefeito. Depois de uma cerimônia de duas horas, os caixões foram transportados para o cemitério em Karalabas, sepultados com músicas e sermões na sombra de dois ciprestes. No lugar da lápide, um grande coração vermelho de metal com as palavras pintadas “Yamasak Mesihtir Ölmekse Kazanç”, trecho de São Paulo: "Para mim viver é Cristo e morrer é uma compensação." Epitáfio triste para as últimas comunidades que falam a língua de Jesus.

 

As hóstias ensanguentadas

Foi um milagre, não há mais nada a dizer. A bomba de gás que atinge a abóbada da igreja a danifica, mas não explode. Rola e cai sobre o telhado do edifício, feito de simples telhas de barro apoiadas por grandes colunas de madeira e concreto. Só então, quando não era mais capaz de causar um estrago, explodiu estrondosamente. Padre Ibrahim Alsabagh, o pároco franciscano da catedral latina de Aleppo, disse: "Os jihadistas escolheram com crueldade o lugar e o momento preciso para atacar, de modo a causar o maior dano possível nas pessoas e estruturas especificamente cristãs". "Eu tinha o Santíssimo Sacramento na mão e estava distribuindo a comunhão. Eu já tinha distribuído a cinco ou seis fiéis, quando senti um ruído distante, não de grande intensidade, como algo pesado que estivesse caindo sobre o telhado da igreja. Não se passaram dez segundos e todo o edifício começou a tremer sem parar sob os meus pés. Pedras e pedaços de vidro caíam sobre nós, eu não podia ver quase nada por causa da poeira".

"Na sacristia, percebi que as hóstias sagradas no cibório foram manchadas com o sangue dos fiéis. As hóstias sagradas misturadas com o sangue de seu povo são um sinal da presença de Deus e de união conosco. Deus é fortemente presente, sofre conosco, sempre se une a cada um de nós em nosso sofrimento", acrescenta o pároco.

O povo, naquele momento, estava apavorado, não sabia o que fazer: "Eu convidei os fiéis a sair para o jardim e lá continuei a distribuição da Sagrada Comunhão. Nós recitamos um Pai Nosso e uma Ave Maria, em agradecimento ao Senhor e à sua mãe Maria, concluindo com a bênção solene".

Aleppo é cercada, os militantes bombardeiam incessantemente os bairros da cidade. Faltam água e eletricidade, não há nem iogurte, observa padre Ibrahim sorrindo. O que não falta, no entanto, é a fé, a certeza de que no final tudo passará. Uma mensagem enviada pelo oriente próximo para os cristãos ocidentais que "precisam despertar".

Este genocídio nos coloca diante do mistério pelo qual tantos cristãos no Ocidente estão lutando para viver por aquilo que muitos cristãos estão dispostos a morrer nos países do Oriente Médio.

 

Texto originalmente publicado em: Bollettino Salesiano – Itália. Janeiro de 2016, páginas 6 a 9.

 

Tradução: Elaine Tozetto

 

Avalie este item
(0 votos)

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.