Como discernir: “O que alegra ou entristece o meu coração?”

Terça, 31 Março 2020 13:01 Escrito por  Pe. João Mendonça, SDB
Como discernir: “O que alegra ou entristece o meu coração?” iStock.com
Neste quarto artigo comentando aspectos da Exortação Cristo Vive à luz do discernimento juvenil-vocacional, quero chamar a atenção sobre as alegrias e esperanças, angústias e medos que envolvem nossa vida no ato de discernir.  

Na Exortação Apostólica Chistus Vivit (Cristo Vive - CV), o Papa Francisco afirma que o discernimento não é tanto para consolar a própria pessoa, mas para “enquadrar a vida relacionada aos outros” (n. 286). Seria muito simples escolher apenas para satisfazer a si mesmo e ter o problema resolvido. No entanto, é importante saber se descobrir, tirar as escamas dos olhos e mudar de lentes para poder enxergar melhor a realidade que está ao nosso redor.

 

Neste quarto artigo comentando aspectos da Exortação à luz do discernimento juvenil-vocacional, quero chamar a atenção sobre as alegrias e esperanças, angústias e medos que envolvem nossa vida no ato de discernir.

 

Alegrias e esperanças

Quando nos dispomos a discernir, diz o Papa, precisamos estar conscientes de que toda e qualquer vocação é “o chamado de um amigo” (CV, 287). Jesus não é um inimigo que nos causa ansiedade e pavor, mas aquele que sorri e nos chama a estar com Ele como amigo: “Não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu Senhor; mas eu vos tenho chamado amigos, pois tudo o que ouvi de meu Pai eu compartilhei convosco” (Jo 15,15).

 

O dom da vocação, portanto, é uma eleição exclusiva de Deus, da sua vontade. Ele pensa naquele que chama como amigo e lhe dá uma graça plena, por isso é tão forte em Paulo a frase: “Não sou eu quem vivo, mas Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). Esta certeza e configuração a Jesus só acontece em uma intimidade nele e com Ele. Eis, então, o sentido profundo do chamado, a alegria de ter recebido um dom e a esperança de que, mesmo nos fracassos, essa experiência não se rompa (CV, 290).

 

Contudo, há um processo de mão dupla no discernimento: a confiança e a capacidade de escuta. Quando um jovem procura alguém para revelar as inquietações pessoais é porque tem confiança. Ninguém fala de si mesmo sem ter a certeza de que o outro está disponível para escutá-lo.

 

Por outro lado, quem escuta deve ter a sensibilidade da paciência e da dedicação para que o outro entenda que o tempo de quem escuta torna-se seu também (CV, 292). A escuta deve ser incondicional, ou seja, sem preconceitos, juízos, manipulações e ofensas. Quem escuta precisa desenvolver a capacidade de se desarmar e fazer uma parte do caminho em comunhão com o outro. É a missão do mistagogo, quer dizer, daquele que ajuda a entender o mistério fazendo uma parte do caminho, sempre deixando a liberdade da escolha. Trata-se, pois, de um processo que alegra o coração e que ajuda o ouvinte a entender, seja nos gestos, nas palavras e no corpo do outro, uma linguagem não verbal que comunica a interioridade.

 

Angústias e medos

O grande dilema do discernimento é quando o ouvinte não consegue gerar uma empatia a tal ponto de compreender a interface entre o que se diz e o que se quer dizer. Isto significa buscar entender para onde aquele que fala quer realmente ir (CV, 294), para onde o Senhor o está encantando.

 

Quando essa empatia não acontece, isso suscita a angústia, ou seja, a incerteza, o fechamento, a cegueira, mesmo que o coração sinta arder algo que inquieta por dentro. Isso quer dizer que não pode haver discernimento sem liberdade (CV, 295). Não há discernimento sem superar o medo de Deus ou das concepções de Deus que, tanto o que acompanha como o acompanhado, podem ter.

 

Vencendo o medo, ambos, acompanhante e acompanhado, seguem, num certo momento, caminhos diferentes. Aquele que escuta desaparece e fica o dom recebido e o desejo irresistível de voltar “à Galileia” para encontrar o Senhor, ou seja, de volta à comunidade, ao ninho onde começou a ser gerada a vocação. Ali se vencem o medo e a angústia da resposta generosa: Eis-me aqui, Senhor!

 

Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP

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Como discernir: “O que alegra ou entristece o meu coração?”

Terça, 31 Março 2020 13:01 Escrito por  Pe. João Mendonça, SDB
Como discernir: “O que alegra ou entristece o meu coração?” iStock.com
Neste quarto artigo comentando aspectos da Exortação Cristo Vive à luz do discernimento juvenil-vocacional, quero chamar a atenção sobre as alegrias e esperanças, angústias e medos que envolvem nossa vida no ato de discernir.  

Na Exortação Apostólica Chistus Vivit (Cristo Vive - CV), o Papa Francisco afirma que o discernimento não é tanto para consolar a própria pessoa, mas para “enquadrar a vida relacionada aos outros” (n. 286). Seria muito simples escolher apenas para satisfazer a si mesmo e ter o problema resolvido. No entanto, é importante saber se descobrir, tirar as escamas dos olhos e mudar de lentes para poder enxergar melhor a realidade que está ao nosso redor.

 

Neste quarto artigo comentando aspectos da Exortação à luz do discernimento juvenil-vocacional, quero chamar a atenção sobre as alegrias e esperanças, angústias e medos que envolvem nossa vida no ato de discernir.

 

Alegrias e esperanças

Quando nos dispomos a discernir, diz o Papa, precisamos estar conscientes de que toda e qualquer vocação é “o chamado de um amigo” (CV, 287). Jesus não é um inimigo que nos causa ansiedade e pavor, mas aquele que sorri e nos chama a estar com Ele como amigo: “Não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu Senhor; mas eu vos tenho chamado amigos, pois tudo o que ouvi de meu Pai eu compartilhei convosco” (Jo 15,15).

 

O dom da vocação, portanto, é uma eleição exclusiva de Deus, da sua vontade. Ele pensa naquele que chama como amigo e lhe dá uma graça plena, por isso é tão forte em Paulo a frase: “Não sou eu quem vivo, mas Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). Esta certeza e configuração a Jesus só acontece em uma intimidade nele e com Ele. Eis, então, o sentido profundo do chamado, a alegria de ter recebido um dom e a esperança de que, mesmo nos fracassos, essa experiência não se rompa (CV, 290).

 

Contudo, há um processo de mão dupla no discernimento: a confiança e a capacidade de escuta. Quando um jovem procura alguém para revelar as inquietações pessoais é porque tem confiança. Ninguém fala de si mesmo sem ter a certeza de que o outro está disponível para escutá-lo.

 

Por outro lado, quem escuta deve ter a sensibilidade da paciência e da dedicação para que o outro entenda que o tempo de quem escuta torna-se seu também (CV, 292). A escuta deve ser incondicional, ou seja, sem preconceitos, juízos, manipulações e ofensas. Quem escuta precisa desenvolver a capacidade de se desarmar e fazer uma parte do caminho em comunhão com o outro. É a missão do mistagogo, quer dizer, daquele que ajuda a entender o mistério fazendo uma parte do caminho, sempre deixando a liberdade da escolha. Trata-se, pois, de um processo que alegra o coração e que ajuda o ouvinte a entender, seja nos gestos, nas palavras e no corpo do outro, uma linguagem não verbal que comunica a interioridade.

 

Angústias e medos

O grande dilema do discernimento é quando o ouvinte não consegue gerar uma empatia a tal ponto de compreender a interface entre o que se diz e o que se quer dizer. Isto significa buscar entender para onde aquele que fala quer realmente ir (CV, 294), para onde o Senhor o está encantando.

 

Quando essa empatia não acontece, isso suscita a angústia, ou seja, a incerteza, o fechamento, a cegueira, mesmo que o coração sinta arder algo que inquieta por dentro. Isso quer dizer que não pode haver discernimento sem liberdade (CV, 295). Não há discernimento sem superar o medo de Deus ou das concepções de Deus que, tanto o que acompanha como o acompanhado, podem ter.

 

Vencendo o medo, ambos, acompanhante e acompanhado, seguem, num certo momento, caminhos diferentes. Aquele que escuta desaparece e fica o dom recebido e o desejo irresistível de voltar “à Galileia” para encontrar o Senhor, ou seja, de volta à comunidade, ao ninho onde começou a ser gerada a vocação. Ali se vencem o medo e a angústia da resposta generosa: Eis-me aqui, Senhor!

 

Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação pela Pontifica Universidade Salesiana de Roma/Itália com especialização em Metodologia Vocacional, e pós-graduado em Comunicação pelo SEPAC/SP e PUC/SP

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