Violência e cultura de paz

Quarta, 28 Julho 2021 00:32 Escrito por  Pe. Agnaldo Soares Lima, SDB
Violência e cultura de paz istock.com
“Na raiz desse mal, já nos alertava Dom Bosco no século XIX, está a deficiência no processo educativo. Precisamos ser educados para agir respeitosamente, com cordialidade, cuidado, diálogo e tolerância.”    

A pandemia da Covid-19, que assola a humanidade, além dos sofrimentos próprios da doença, vem acompanhada de um aumento nos casos de violência doméstica, seja entre os casais ou – o que é ainda pior – contra as crianças. Isso para não falarmos dos dados da segurança pública, que apontaram um acréscimo nos índices de homicídios na ordem de 7% em 2020.

 

Esta realidade, contudo, transcende o contexto atual de um vírus que nos aflige como doença. Ela reflete outro mal, ainda mais contagioso. Diariamente, a mídia apresenta, de diferentes formas e com muita intensidade, variadas expressões de violência, presentes na vida da sociedade. Uma exposição, por vezes tão acentuada que termina por diminuir o impacto desta chaga humana, levando à banalização do valor da vida.

 

Educar para novas atitudes

A violência, em todas as suas formas, vai permeando o espaço nas ruas, na vida de famílias e de crianças, adolescentes e jovens, inclusive nos ambientes escolares. As situações de violência acontecem ora de forma velada (como a violência psicológica e o assédio moral), ora de maneira explícita (como o preconceito, o racismo, o bullying, as ações do crime, a intolerância, o suicídio, a violência no trânsito). Roubam de todos a paz, gerando o medo, a insegurança e o pânico.

 

Em uma atitude desprovida de reflexão e, por vezes, até incoerente, muitos adultos, diante da violência praticada por adolescentes, pedem uma condenação rígida para eles. Esquecem-se, contudo, de que os atos violentos cometidos pelas gerações mais novas apenas evidenciam tudo o que esses jovens respiram nas ruas, na mídia e no lar, em um momento em que atravessam uma etapa da vida de desenvolvimento e amadurecimento. Alimentadas pela pauta dos noticiários, das novelas e dos filmes (e, até mesmo, pela oferta de videogames violentos vendidos como lazer), as novas gerações acabam não percebendo o quanto a violência se constitui como uma ameaça pessoal e comunitária.

 

Na raiz desse mal, já nos alertava Dom Bosco no século XIX, está a deficiência no processo educativo. Nascemos com instintos que nos orientam para a violência – até para sobrevivência –, mas precisamos ser educados para agir respeitosamente, com cordialidade, cuidado, diálogo e tolerância. Isto significa dizer que não é natural, mas fruto de aprendizados, ter atitudes e hábitos pacíficos, agir de modo a administrar nossa vida na paz, buscando formas positivas de lidar com os conflitos.

 

Palavras do Papa Francisco

Em mensagem divulgada por ocasião do Dia Mundial da Paz, em 1° de janeiro de 2021, o Papa Francisco nos recordou que: “A cultura do cuidado, enquanto compromisso comum, solidário e participativo para proteger e promover a dignidade e o bem de todos, enquanto disposição a interessar-se, a prestar atenção, disposição à compaixão, à reconciliação e à cura, ao respeito mútuo e ao acolhimento recíproco, constitui uma via privilegiada para a construção da paz”.

 

O Pontífice lembrou, também, de um trecho da Encíclica Fratelli Tutti, em que escreveu: “Em muitas partes do mundo, fazem falta percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas, há necessidade de artesãos de paz prontos a gerar, com criatividade e ousadia, processos de cura e de um novo encontro” (225).

 

Percursos de paz

Falar de percursos de paz significa falar de caminhos, processos e formação, em que sejam trabalhados e vivenciados métodos e atitudes que nos ajudem a aprender o valor e a dignidade de cada pessoa, de forma a sermos capazes de estabelecer relações de respeito que, mesmo nas divergências, estabeleçam formas de “confronto” e solução de conflitos, sem ser preciso recorrer a atitudes e comportamentos pautados pela violência e agressão ao outro.

 

Há países em que nem mesmo a polícia anda armada ou que só um pequeno número de policiais carrega armamento. Nem por isso, os riscos para o cidadão comum tornam-se maiores. Temos visto em nosso País, onde cresce a cultura do uso de armas como principal forma de defesa, que precisamos nos proteger dos criminosos, mas precisamos, tantas vezes, nos protegermos também dos maus policiais. É a violência presente em margens opostas.

 

Ainda que possamos ter resistência interior para pensar que a solução do problema da violência não há de vir do aumento de armas potentes e de aparatos de segurança sempre mais pesados, precisamos crer que a solução para a superação desse mal passa pela educação e só há de florescer a partir de um intenso trabalho de formação para que as novas gerações vivam a “cultura da paz”. Precisamos aprender e promover meios pacíficos para a solução dos conflitos, práticas restaurativas, dinâmicas de conciliação e reconciliação.

 

Caridade e não violência

Enquanto cristãos e seguidores de Jesus Cristo, que nos propôs como mandamento supremo o amor e o perdão sem limites, cabe também a necessária atenção para perceber, na pessoa do outro, a imagem de Deus e a condição da filiação divina de cada ser humano.

 

Retornando ao Papa Francisco, vale lembrar seu desejo: “Almejo paz a todo homem, mulher, menino e menina, e rezo para que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa. Sobretudo, nas situações de conflito, respeitemos esta ‘dignidade mais profunda’ e façamos da não-violência ativa o nosso estilo de vida” (1° de janeiro de 2017).

 

Por mais desafiadora que seja, essa é a atitude cristã que devemos praticar, mesmo para com aqueles que nos são difíceis ou nos prejudicam. Jesus já dizia que: “Fazer o bem a quem nos faz o bem, até os maus são capazes” (Mt 5,46). Retorno para o Papa Francisco, para que ele nos ajude a finalizar essa reflexão: “Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais. Quando sabem resistir à tentação da vingança, as vítimas da violência podem ser os protagonistas mais credíveis de processos não-violentos de construção da paz” (1° de janeiro de 2017).

 

Padre Agnaldo Soares Lima, SDB, é assessor da Rede Salesiana Brasil de Ação Social (RSB-Social).

 

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Violência e cultura de paz

Quarta, 28 Julho 2021 00:32 Escrito por  Pe. Agnaldo Soares Lima, SDB
Violência e cultura de paz istock.com
“Na raiz desse mal, já nos alertava Dom Bosco no século XIX, está a deficiência no processo educativo. Precisamos ser educados para agir respeitosamente, com cordialidade, cuidado, diálogo e tolerância.”    

A pandemia da Covid-19, que assola a humanidade, além dos sofrimentos próprios da doença, vem acompanhada de um aumento nos casos de violência doméstica, seja entre os casais ou – o que é ainda pior – contra as crianças. Isso para não falarmos dos dados da segurança pública, que apontaram um acréscimo nos índices de homicídios na ordem de 7% em 2020.

 

Esta realidade, contudo, transcende o contexto atual de um vírus que nos aflige como doença. Ela reflete outro mal, ainda mais contagioso. Diariamente, a mídia apresenta, de diferentes formas e com muita intensidade, variadas expressões de violência, presentes na vida da sociedade. Uma exposição, por vezes tão acentuada que termina por diminuir o impacto desta chaga humana, levando à banalização do valor da vida.

 

Educar para novas atitudes

A violência, em todas as suas formas, vai permeando o espaço nas ruas, na vida de famílias e de crianças, adolescentes e jovens, inclusive nos ambientes escolares. As situações de violência acontecem ora de forma velada (como a violência psicológica e o assédio moral), ora de maneira explícita (como o preconceito, o racismo, o bullying, as ações do crime, a intolerância, o suicídio, a violência no trânsito). Roubam de todos a paz, gerando o medo, a insegurança e o pânico.

 

Em uma atitude desprovida de reflexão e, por vezes, até incoerente, muitos adultos, diante da violência praticada por adolescentes, pedem uma condenação rígida para eles. Esquecem-se, contudo, de que os atos violentos cometidos pelas gerações mais novas apenas evidenciam tudo o que esses jovens respiram nas ruas, na mídia e no lar, em um momento em que atravessam uma etapa da vida de desenvolvimento e amadurecimento. Alimentadas pela pauta dos noticiários, das novelas e dos filmes (e, até mesmo, pela oferta de videogames violentos vendidos como lazer), as novas gerações acabam não percebendo o quanto a violência se constitui como uma ameaça pessoal e comunitária.

 

Na raiz desse mal, já nos alertava Dom Bosco no século XIX, está a deficiência no processo educativo. Nascemos com instintos que nos orientam para a violência – até para sobrevivência –, mas precisamos ser educados para agir respeitosamente, com cordialidade, cuidado, diálogo e tolerância. Isto significa dizer que não é natural, mas fruto de aprendizados, ter atitudes e hábitos pacíficos, agir de modo a administrar nossa vida na paz, buscando formas positivas de lidar com os conflitos.

 

Palavras do Papa Francisco

Em mensagem divulgada por ocasião do Dia Mundial da Paz, em 1° de janeiro de 2021, o Papa Francisco nos recordou que: “A cultura do cuidado, enquanto compromisso comum, solidário e participativo para proteger e promover a dignidade e o bem de todos, enquanto disposição a interessar-se, a prestar atenção, disposição à compaixão, à reconciliação e à cura, ao respeito mútuo e ao acolhimento recíproco, constitui uma via privilegiada para a construção da paz”.

 

O Pontífice lembrou, também, de um trecho da Encíclica Fratelli Tutti, em que escreveu: “Em muitas partes do mundo, fazem falta percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas, há necessidade de artesãos de paz prontos a gerar, com criatividade e ousadia, processos de cura e de um novo encontro” (225).

 

Percursos de paz

Falar de percursos de paz significa falar de caminhos, processos e formação, em que sejam trabalhados e vivenciados métodos e atitudes que nos ajudem a aprender o valor e a dignidade de cada pessoa, de forma a sermos capazes de estabelecer relações de respeito que, mesmo nas divergências, estabeleçam formas de “confronto” e solução de conflitos, sem ser preciso recorrer a atitudes e comportamentos pautados pela violência e agressão ao outro.

 

Há países em que nem mesmo a polícia anda armada ou que só um pequeno número de policiais carrega armamento. Nem por isso, os riscos para o cidadão comum tornam-se maiores. Temos visto em nosso País, onde cresce a cultura do uso de armas como principal forma de defesa, que precisamos nos proteger dos criminosos, mas precisamos, tantas vezes, nos protegermos também dos maus policiais. É a violência presente em margens opostas.

 

Ainda que possamos ter resistência interior para pensar que a solução do problema da violência não há de vir do aumento de armas potentes e de aparatos de segurança sempre mais pesados, precisamos crer que a solução para a superação desse mal passa pela educação e só há de florescer a partir de um intenso trabalho de formação para que as novas gerações vivam a “cultura da paz”. Precisamos aprender e promover meios pacíficos para a solução dos conflitos, práticas restaurativas, dinâmicas de conciliação e reconciliação.

 

Caridade e não violência

Enquanto cristãos e seguidores de Jesus Cristo, que nos propôs como mandamento supremo o amor e o perdão sem limites, cabe também a necessária atenção para perceber, na pessoa do outro, a imagem de Deus e a condição da filiação divina de cada ser humano.

 

Retornando ao Papa Francisco, vale lembrar seu desejo: “Almejo paz a todo homem, mulher, menino e menina, e rezo para que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa. Sobretudo, nas situações de conflito, respeitemos esta ‘dignidade mais profunda’ e façamos da não-violência ativa o nosso estilo de vida” (1° de janeiro de 2017).

 

Por mais desafiadora que seja, essa é a atitude cristã que devemos praticar, mesmo para com aqueles que nos são difíceis ou nos prejudicam. Jesus já dizia que: “Fazer o bem a quem nos faz o bem, até os maus são capazes” (Mt 5,46). Retorno para o Papa Francisco, para que ele nos ajude a finalizar essa reflexão: “Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais. Quando sabem resistir à tentação da vingança, as vítimas da violência podem ser os protagonistas mais credíveis de processos não-violentos de construção da paz” (1° de janeiro de 2017).

 

Padre Agnaldo Soares Lima, SDB, é assessor da Rede Salesiana Brasil de Ação Social (RSB-Social).

 

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