Lazer juvenil - Uma resposta paterna serena ao tempo livre dos filhos.

Sexta, 21 Junho 2013 16:07 Escrito por  Ignacio Calderón Castro
As recentes tragédias ocorridas no “Madrid Arena”, na capital da Espanha, em 31 de outubro do ano passado e na discoteca “Kiss”, na cidade de Santa Maria, em 26 de janeiro último, assim como a que ocorreu na discoteca “Cromañón” de Buenos Aires, Argentina, na noite de 30 de dezembro de 2004, têm preocupado e despertado a atenção dos pais sobre o que os seus filhos fazem, onde vão e como passam as horas livres. O lazer é um direito adquirido pela sociedade pós-industrial e hoje ninguém questiona sua importância ou a necessidade de descanso após uma jornada de estudos ou de trabalho como um dos direitos fundamentais – a tal ponto que este direito é reconhecido na Declaração Internacional dos Direitos Humanos (n. 24). As situações dramáticas vivenciadas não vão questionar essa premissa.

Situações perigosas e lazer

No inconsciente coletivo há uma associação entre lazer juvenil – particularmente as “saídas” à noite – e situações ou condutas de risco. Os fatos mencionados confirmam essa associação que, entretanto, as análises objetivas desmentem. Falando estatisticamente, existe uma relação muito pequena entre lazer noturno e situações de risco. Não quero, com isso, dizer que devemos deixar de nos preocupar com o tempo livre dos nossos filhos, mas sim que nossa atenção deve partir da serenidade, da objetividade e da preocupação sadia pela vida de nosso filhos, não apenas em situações potencialmente perigosas.

As tragédias em Madri, Santa Maria e Buenos Aires, além de aumentarem a atenção e a preocupação por parte dos pais, também levaram os jovens a se sentirem comovidos e, de certo modo, pessoalmente tocados por essas situações trágicas. Devemos aproveitar essa situação de maior conscientização por parte da sociedade, de todas as gerações afetadas, para facilitar a comunicação e, de maneira mais eficaz, a prevenção. Todos os estudos sobre a prevenção a condutas de risco entre os jovens apontam que a comunicação entre pais e filhos é um dos principais fatores de sucesso.

 

Comunicação entre pais e filhos

Ao nos referirmos à comunicação não estamos falando simplesmente que os jovens devem ouvir nossas preocupações sobre os perigos da vida noturna, nossos alertas e conselhos. É fundamental abrir um diálogo real, no qual possamos conhecer o que eles pensam e como observam aqueles aspectos de suas vidas que nos causam preocupação, para que os jovens percebam que nossa conversa parte de um interesse verdadeiro por eles.

Também é importante eliminar essa falsa segurança do telefone celular. Muitos pais ficam tranquilos com o fato de que seus filhos estão “localizáveis” e podem responder a um sms com a pergunta “onde você está?”. Mas não basta podermos nos comunicar com eles quando estão longe, fora de casa: devemos nos assegurar de que o celular será útil em um caso de emergência, porque, no cotidiano, saberemos onde estão e com quem estão.

É fundamental que os jovens não considerem que existe uma fratura entre sua vida familiar e suas outras atividades, tanto escolares ou de trabalho, como de amizade. Nossa casa – a casa deles – deve estar aberta a seus amigos. Também é muito importante que não tenhamos dúvidas em nos oferecermos para facilitar suas idas e vindas aos lugares para onde vão se divertir. Fazer as vezes de “chofer” pode ser realmente muito sacrificado, mas é uma das melhores maneiras de conhecer onde e com quem estão nossos filhos. E nos trajetos, o melhor é a música baixinha e os ouvidos abertos. Entender a conversa dos jovens é ter acesso direto ao que lhes interessa e a como percebem a vida.

 

Exercer o papel de pais

Por outro lado, não devemos ter medo de exercer plenamente o papel de pais. Não, não somos melhores por não fixar uma hora prudente em que devem voltar para casa, nem por aceitar um “por aí” como resposta válida para a pergunta: “Onde você estava?”

Se nos abrimos a um diálogo sincero, podemos expressar a eles nossas opiniões sem esperar que eles as aceitem, ou mesmo que as entendam. Também não precisamos sempre entender ou aceitar suas ideias. Mas se mostramos nossa desaprovação ao ponto de gerar uma discussão, deixaremos de saber o que pensam e dificultaremos que eles nos escutem. Pode acontecer que, ao falarmos com os jovens, eles não se mostrem de acordo conosco; isso não importa, o importante é que nos ouçam.

É fato que, nas tragédias que citamos, ocorreu uma confluência de circunstâncias imprevistas, entre as quais se destaca o excesso de público; mas também devemos explicar-lhes que, ainda que um local cumpra todas as medidas de segurança, neles não se fazem simulações de evacuação, ninguém se dedica a procurar as possíveis saídas de emergência nem há “atendentes”, como em um avião. Nossa opinião deve estar bem fundamentada, mas não precisa ser imparcial. Assim, por exemplo, referindo-se ao caso do Arena de Madri, é importante que façamos com que eles compreendam que “super festa”, “super concerto” ou “super discoteca” se convertem facilmente em “super problema”.

 

Como agir em caso de emergência

Devemos dar aos jovens as chaves sobre como agir em um caso de emergência. São muitos os testemunhos publicados pela imprensa sobre as tragédias que citamos. O excesso de público era algo evidente antes que as tragédias ocorressem. O que devemos falar aos jovens é que se eles sentem que o lugar em que estão está lotado, devem sair antes que algo ruim aconteça. Da mesma maneira, se na hora de voltar para casa todos os amigos com que estão beberam, devem se sentir absolutamente seguros de que podem nos ligar para irmos buscá-los, sem medo de que nos chateemos, pois tomaram a melhor decisão.

Por fim, como na maioria dos temas relacionados com a educação, ao falarmos sobre o lazer dos jovens, longe de nos deixarmos levar por fatos pontuais, é vital fundamentar nossa relação na confiança. Afastar a ingenuidade e fazê-los compreender que nosso rigor é a ponte para a única forma válida de disciplina. Não se pode esquecer que a autodisciplina e a responsabilidade são questões individuais e que para os jovens, elas aparecem como o avesso da liberdade.

Ignacio Calderón Castro é doutor em Psicologia e orientador familiar do Instituto de Neuropsicologia e Psicopedagogia Aplicada de Madri, Espanha.

Texto originalmente publicado em Boletín Salesiano – Uruguay, abril de 2013.

Avalie este item
(0 votos)

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.


Lazer juvenil - Uma resposta paterna serena ao tempo livre dos filhos.

Sexta, 21 Junho 2013 16:07 Escrito por  Ignacio Calderón Castro
As recentes tragédias ocorridas no “Madrid Arena”, na capital da Espanha, em 31 de outubro do ano passado e na discoteca “Kiss”, na cidade de Santa Maria, em 26 de janeiro último, assim como a que ocorreu na discoteca “Cromañón” de Buenos Aires, Argentina, na noite de 30 de dezembro de 2004, têm preocupado e despertado a atenção dos pais sobre o que os seus filhos fazem, onde vão e como passam as horas livres. O lazer é um direito adquirido pela sociedade pós-industrial e hoje ninguém questiona sua importância ou a necessidade de descanso após uma jornada de estudos ou de trabalho como um dos direitos fundamentais – a tal ponto que este direito é reconhecido na Declaração Internacional dos Direitos Humanos (n. 24). As situações dramáticas vivenciadas não vão questionar essa premissa.

Situações perigosas e lazer

No inconsciente coletivo há uma associação entre lazer juvenil – particularmente as “saídas” à noite – e situações ou condutas de risco. Os fatos mencionados confirmam essa associação que, entretanto, as análises objetivas desmentem. Falando estatisticamente, existe uma relação muito pequena entre lazer noturno e situações de risco. Não quero, com isso, dizer que devemos deixar de nos preocupar com o tempo livre dos nossos filhos, mas sim que nossa atenção deve partir da serenidade, da objetividade e da preocupação sadia pela vida de nosso filhos, não apenas em situações potencialmente perigosas.

As tragédias em Madri, Santa Maria e Buenos Aires, além de aumentarem a atenção e a preocupação por parte dos pais, também levaram os jovens a se sentirem comovidos e, de certo modo, pessoalmente tocados por essas situações trágicas. Devemos aproveitar essa situação de maior conscientização por parte da sociedade, de todas as gerações afetadas, para facilitar a comunicação e, de maneira mais eficaz, a prevenção. Todos os estudos sobre a prevenção a condutas de risco entre os jovens apontam que a comunicação entre pais e filhos é um dos principais fatores de sucesso.

 

Comunicação entre pais e filhos

Ao nos referirmos à comunicação não estamos falando simplesmente que os jovens devem ouvir nossas preocupações sobre os perigos da vida noturna, nossos alertas e conselhos. É fundamental abrir um diálogo real, no qual possamos conhecer o que eles pensam e como observam aqueles aspectos de suas vidas que nos causam preocupação, para que os jovens percebam que nossa conversa parte de um interesse verdadeiro por eles.

Também é importante eliminar essa falsa segurança do telefone celular. Muitos pais ficam tranquilos com o fato de que seus filhos estão “localizáveis” e podem responder a um sms com a pergunta “onde você está?”. Mas não basta podermos nos comunicar com eles quando estão longe, fora de casa: devemos nos assegurar de que o celular será útil em um caso de emergência, porque, no cotidiano, saberemos onde estão e com quem estão.

É fundamental que os jovens não considerem que existe uma fratura entre sua vida familiar e suas outras atividades, tanto escolares ou de trabalho, como de amizade. Nossa casa – a casa deles – deve estar aberta a seus amigos. Também é muito importante que não tenhamos dúvidas em nos oferecermos para facilitar suas idas e vindas aos lugares para onde vão se divertir. Fazer as vezes de “chofer” pode ser realmente muito sacrificado, mas é uma das melhores maneiras de conhecer onde e com quem estão nossos filhos. E nos trajetos, o melhor é a música baixinha e os ouvidos abertos. Entender a conversa dos jovens é ter acesso direto ao que lhes interessa e a como percebem a vida.

 

Exercer o papel de pais

Por outro lado, não devemos ter medo de exercer plenamente o papel de pais. Não, não somos melhores por não fixar uma hora prudente em que devem voltar para casa, nem por aceitar um “por aí” como resposta válida para a pergunta: “Onde você estava?”

Se nos abrimos a um diálogo sincero, podemos expressar a eles nossas opiniões sem esperar que eles as aceitem, ou mesmo que as entendam. Também não precisamos sempre entender ou aceitar suas ideias. Mas se mostramos nossa desaprovação ao ponto de gerar uma discussão, deixaremos de saber o que pensam e dificultaremos que eles nos escutem. Pode acontecer que, ao falarmos com os jovens, eles não se mostrem de acordo conosco; isso não importa, o importante é que nos ouçam.

É fato que, nas tragédias que citamos, ocorreu uma confluência de circunstâncias imprevistas, entre as quais se destaca o excesso de público; mas também devemos explicar-lhes que, ainda que um local cumpra todas as medidas de segurança, neles não se fazem simulações de evacuação, ninguém se dedica a procurar as possíveis saídas de emergência nem há “atendentes”, como em um avião. Nossa opinião deve estar bem fundamentada, mas não precisa ser imparcial. Assim, por exemplo, referindo-se ao caso do Arena de Madri, é importante que façamos com que eles compreendam que “super festa”, “super concerto” ou “super discoteca” se convertem facilmente em “super problema”.

 

Como agir em caso de emergência

Devemos dar aos jovens as chaves sobre como agir em um caso de emergência. São muitos os testemunhos publicados pela imprensa sobre as tragédias que citamos. O excesso de público era algo evidente antes que as tragédias ocorressem. O que devemos falar aos jovens é que se eles sentem que o lugar em que estão está lotado, devem sair antes que algo ruim aconteça. Da mesma maneira, se na hora de voltar para casa todos os amigos com que estão beberam, devem se sentir absolutamente seguros de que podem nos ligar para irmos buscá-los, sem medo de que nos chateemos, pois tomaram a melhor decisão.

Por fim, como na maioria dos temas relacionados com a educação, ao falarmos sobre o lazer dos jovens, longe de nos deixarmos levar por fatos pontuais, é vital fundamentar nossa relação na confiança. Afastar a ingenuidade e fazê-los compreender que nosso rigor é a ponte para a única forma válida de disciplina. Não se pode esquecer que a autodisciplina e a responsabilidade são questões individuais e que para os jovens, elas aparecem como o avesso da liberdade.

Ignacio Calderón Castro é doutor em Psicologia e orientador familiar do Instituto de Neuropsicologia e Psicopedagogia Aplicada de Madri, Espanha.

Texto originalmente publicado em Boletín Salesiano – Uruguay, abril de 2013.

Avalie este item
(0 votos)

Deixe um comentário

Certifique-se de preencher os campos indicados com (*). Não é permitido código HTML.