Rodolfo Lunkenbein: Glória para um mártir

Terça, 01 Novembro 2016 18:26 Escrito por  Inspetoria São João Bosco
 O  processo de martírio do padre Rodolfo Lunkenbein teve início na Missão Salesiana do Mato Grosso (MSMT). Assassinado aos 37 anos, ele escrevera em sua última carta: “Mamãe, não há nada de mais belo do que morrer por Deus”.

O último dia de vida do missionário salesiano, padre Rodolfo Lunkenbein começara, como de costume, com a oração e a missa. Depois, o missionário foi à plantação com o velho jipe da Segunda Guerra Mundial, sempre estragado. O chefe da tribo dos Bororo, chamado Aidje-Kuguri (isto é «Pequeno Hipopótamo), mas para os amigos simplesmente Eugênio, ainda estava tomando o café da manhã em sua pequena choupana. A diretora das Filhas de Maria Auxiliadora, irmã Rita, apressava-se a deixar uma sala da missão para dar uma olhada nos pequenos índios que brincavam no rio. 

A tempestade que há tempos se preparava, caiu às 9h daquela manhã, quando os fazendeiros chegaram em Meruri. Não atacaram logo a missão. Detiveram dois agrimensores a quatro quilômetros da aldeia. Desarmaram os quatro índios que os acompanhavam, ameaçaram-nos com suas próprias armas, obrigaram-nos a entrar nos carros como prisioneiros e partiram. Chegaram a algumas casas de colonos, onde se detiveram para comer alguma coisa e beber cachaça e rum. Excitados, dirigiram-se decididos à missão.  

Estava em curso uma antiga luta pela terra. Duas organizações relacionadas com o Ministério do Interior, a Funai e o Incra, tutelam os interesses respectivamente dos índios e dos colonos; contudo, encontram não poucas dificuldades no cumprimento de suas tarefas.

 

Centenas de pequenos posseiros desalojados das grandes fazendas dos ricos latifundiários invadem os territórios indígenas ali se fixando, em situações às vezes de extrema indigência. Era o caso de Meruri. A presença dos agrimensores da Funai vindos para repartir os terrenos tinha revigorado improvisadamente o furor.

 

Quando os 62 fazendeiros chegaram, armados com pistolas e facas,  encontraram apenas um pequeno missionário, padre Ochoa. Começaram a bater nele, gritando que os missionários eram todos ladrões, que queriam as terras indígenas para si. Os guerreiros Bororo tinham partido há uma semana para a caça da arara e do cateto. O missionário insultado não sabia como se defender, quando chegou o padre Rodolfo. Estava suado pelo cansaço  e sorridente. Tinha as mãos sujas de óleo, porque precisara consertar novamente o seu jipe.

 

“Padre diretor, vá para a casa do Pai”

 

Os invasores eram homens conhecidos na aldeia. O chefe Eugênio que acabara o café da manhã e aproximava-se, reconheceu logo João Preto e muitos outros. João e padre Rodolfo falavam de terras e de medidas, e o missionário procurava dar explicações. "Não é assim", dizia. "Estas medidas são coisas oficiais, ordenadas pela Funai…". Os colonos, porém, sentiam-se usurpados. Então, o padre Rodolfo propôs fazer a lista de todos os que desejavam protestar; ele, pessoalmente, haveria de recolher o protesto e o enviaria à Funai, a organização governamental que protege os indígenas. Entraram, então, na sala da direção, e o padre Rodolfo sentou-se. Escreveu 42 nomes em uma grande folha, um depois do outro. Aquela folha permaneceu sobre a mesa; a grafia evidentemente era nervosa. Padre Rodolfo não imaginava que escrevia pela última vez, e que listava os nomes dos seus assassinos.

 Parece que tudo estava em ordem. O cacique, os noves índios, os agrimensores, os fazendeiros retornaram ao pátio, e o padre Rodolfo apertou a mão de cada um. Os agrimensores descarregaram de um carro os seus equipamentos para usá-los. Foram também retiradas as armas sequestradas dos índios Bororo. Ao ver aquela estranha operação, padre Rodolfo saiu em uma exclamação de estupor e reprovação. Foi-lhe fatal.

 

João Mineiro deu-lhe uma bofetada. Os índios correram para o seu lado. João tirou do bolso uma arma. Estava fazendo a mira quando Gabriel, um dos Bororo, agarrou-lhe o pulso. No mesmo instante, Preto tirou a sua pistola e atirou no missionário. Da varanda, irmã Rita viu o padre Rodolfo levar as mãos ao peito, e a sua figura alta e robusta vacilou. Preto disparou outros quatro tiros no missionário, que caiu ao chão. O índio Simão, que tentara defender o missionário, foi atingido. A mãe do jovem índio, Tereza, correu para junto do filho para socorrê-lo, e recebeu uma bala no peito. Finalmente, os agressores fugiram. Pularam em seus carros. Quatro deles, a pé, agarraram o pobre Luis Bispo, de 16 anos, um dos atingido por erro, e o arrastaram por uma centena de metros. Depois o abandonaram atrás da vegetação, já morto.

 

Irmã Rita correu até onde o padre Rodolfo jazia ensanguentado. Estava vivo, mas em fim de vida. Só lhe pôde oferecer uma palavra de conforto: “Padre Diretor, vá para a casa do Pai”. O missionário esboçou um sorriso, depois o seu coração parou.

 

Completara-se o sacrifício. Terminara a Missa de Rodolfo Lunkenbein.

 

À noite, a polícia que fora avisada e prendera sete pessoas. Depois, mais quatro. Entre elas, o assassino do padre Rodolfo.

 

O peixe dourado

 

Lunke! Assim o chamavam sua mãe e seus amigos, desde os tempos de escola na Alemanha, sua terra natal. Seu nome era Rodolfo e quem se aproximava dele pela primeira vez ficava impressionado pela imponente altura de 1,92 m, com certa dificuldade para pronunciar o seu sobrenome alemão: Lunkenbein!

 

Todavia, após o impacto inicial, todos se sentiam conquistados pela bondade contagiosa e pelo sorriso alegre e afetuoso daquele padre salesiano missionário. Os orgulhosos indígenas da sua missão, os Bororo, mais poeticamente lhe deram o nome de “Koge Ekureu” (Peixe Dourado).

 

Padre Rodolfo nascera no dia 1º de abril de 1939, em Döringstadt, Alemanha, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial. Sentiu o desejo de ser missionário quando ainda era adolescente, lendo as publicações salesianas. Seguro da sua vocação, padre Rodolfo desembarcou no Brasil como missionário, fez o noviciado em São Paulo e o pós-noviciado em Campo Grande; como primeira experiência fez o tirocínio em Meruri, onde permaneceu até 1965.

 

Retornou à Alemanha para os estudos teológicos e a especialização em missiologia.

 

Ordenado sacerdote em 29 de junho de 1969, pôde retornar a Meruri onde os bororos o receberam com grande afeto.

 

O defensor dos Bororo

 

O missionário fizera frequentemente apelos às autoridades para que interviessem. "Nos últimos dois anos fora com frequência a Brasília, algumas vezes acompanhado pelo cacique Eugênio e seu filho Lourenço. No ano passado Lourenço convocara uma reunião de chefes indígenas, realizada em Meruri, em que os representantes das várias tribos enfrentaram o problema da defesa de suas terras". 

Pessoalmente, padre Rodolfo escrevera diversas cartas à Funai e outras entidades, pedindo a adoção de medidas urgentes para evitar lutas perigosas entre brancos e indígenas. Por exemplo, em dezembro de 1974, advertira as autoridades sobre os atos hostis que eram praticados contra os indígenas por um conhecido fazendeiro. E em janeiro de 1975 lamentava que alguns colonos tinham invadido as plantações dos índios, libertando dezenas de bois, que destruíram grande parte dos campos cultivados pela comunidade Bororo. E, sobretudo escreviam aos jornais, «Deve-se a ele se a Funai há algum tempo iniciara o trabalho de demarcação da reserva bororo». De fato, uma comissão da Funai, acompanhada passo a passo pelo padre Rodolfo, fizera os levantamentos necessários, pelos quais se chegara a um claro Decreto sobre a entrega administrativa da área dos bororos. O último passo, o da demarcação das terras feita por agrimensores indicados para isso, resultou fatal ao padre Rodolfo.

 

Dom Tomás Balduino, presidente do CIMI (Conselho Missionário Indigenista), declarou: "padre Rodolfo não estava por acaso a favor dos indígenas. Sabia que caminhava para a morte, que em um momento ou outro haveria de cair. Mas dizia que não voltaria atrás nem um passo sequer".

 

Vivo nas Terras Férteis

 

A árvore é a torre do sino. No pátio da missão salesiana, na aldeia dos Bororo, há uma imensa árvore, uma mangueira, onde estão pendurados três ou quatro pedaços de trilho ferroviário. Batidos com uma barra de ferro pelas irmãs da missão, soam como sinos. A mangueira é a torre da missão. À sombra desta solene planta os indígenas  costumam alimentar-se nos finais de semana. Seus chefes primeiramente conversam com os padres. Trocam informações, tomam decisões. Depois, reúnem-se em círculos, em pequenos grupos, e ali, discutem na língua bororo.

 

Naquela sexta-feira 16 de julho de 1976, porém, enquanto as sombras da tarde caíam, o pátio da missão oferecia outro espetáculo. Estava cheio de mulheres que choravam com seus bebês ao colo, e de cães que giravam sem qualquer finalidade. Na igreja da missão eram velados os corpos do padre Rodolfo e de Simão bororo. Ao cair da tarde, os chefes Bororo que presidem os costumes e as tradições, fizeram para Simão o «bari-tuxene», cerimônia com cantos desejando ao ente que chegue às Terras Férteis e de muita paz.

 

Os missionários celebraram uma Missa e todos se prepararam para o sepultamento. O horizonte do céu estava cingido pela faixa avermelhada do crepúsculo quando o cortejo caminhou para o cemitério passando ao longo das casas de cores desbotadas da aldeia. Uma nuvem de poeira se elevava do solo macio. Os Bororo choravam com o seu lamento de tons estranhos, guturais, enquanto o pássaro quero-quero gritava ali perto. Padre Mario Gosso, da Colônia Xavante  São Marcos, rezou as últimas orações lendo à luz de uma lanterna.

 

No dia seguinte, sábado, a luz de pleno meio-dia entrava pelas 22 janelas da igreja da missão quando começou a Missa fúnebre pelo padre Rodolfo. Sobre o caixão havia um fantástico diadema de penas de arara, e o morto tinha na cabeça o «tiwaba etoiaba», ornamento reservado aos caciques. Pouco antes, quatro Bororo  entoaram os mesmos cantos já executados para Simão. Agitando as maracas, cantaram e choraram. As índias, sentadas ao redor do altar, acompanharam os cantores com o contraponto de seus exasperados lamentos.

 

O caixão foi levado ao longo do caminho empoeirado; abria a marcha, tendo elevada a cruz, o índio Xavante Ronema, com as orelhas transpassadas por dois «wed-hu», os grandes brincos de madeira. À beira do túmulo, um dos 13 missionários presentes rezou, e um bororo, com um ornamento idêntico ao do missionário morto, entoou o canto fúnebre.

 

«O o o o o o, ro-ro-ro». Assim choram todos os índios.

 

«Koge Ekureu» fora morto para que fosse concedido aos bororos o direito de continuar em suas terras, que foram de seus pais, dos seus antepassados. Confortavam-se, porém, porque sabiam que esse cacique vindo de um país distante estava vivo para sempre nas Terras Férteis, onde há muita paz.

 

"Eu vim para servir e dar a vida"

 

O lema sacerdotal que escolhera para a Ordenação era “Eu vim para servir e dar a vida”. Em sua última visita à Alemanha, em 1974, sua mãe pedira-lhe para estar atento, porque a tinham informado sobre os riscos que o filho corria. Ele respondeu: "Mamãe, por que se preocupa? Não há nada de mais belo do que morrer pela causa de Deus. Este seria o meu sonho”.

 

Inspetoria São João Bosco

 

 

 

 

 

 

 

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Última modificação em Sexta, 27 Setembro 2019 11:33

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Rodolfo Lunkenbein: Glória para um mártir

Terça, 01 Novembro 2016 18:26 Escrito por  Inspetoria São João Bosco
 O  processo de martírio do padre Rodolfo Lunkenbein teve início na Missão Salesiana do Mato Grosso (MSMT). Assassinado aos 37 anos, ele escrevera em sua última carta: “Mamãe, não há nada de mais belo do que morrer por Deus”.

O último dia de vida do missionário salesiano, padre Rodolfo Lunkenbein começara, como de costume, com a oração e a missa. Depois, o missionário foi à plantação com o velho jipe da Segunda Guerra Mundial, sempre estragado. O chefe da tribo dos Bororo, chamado Aidje-Kuguri (isto é «Pequeno Hipopótamo), mas para os amigos simplesmente Eugênio, ainda estava tomando o café da manhã em sua pequena choupana. A diretora das Filhas de Maria Auxiliadora, irmã Rita, apressava-se a deixar uma sala da missão para dar uma olhada nos pequenos índios que brincavam no rio. 

A tempestade que há tempos se preparava, caiu às 9h daquela manhã, quando os fazendeiros chegaram em Meruri. Não atacaram logo a missão. Detiveram dois agrimensores a quatro quilômetros da aldeia. Desarmaram os quatro índios que os acompanhavam, ameaçaram-nos com suas próprias armas, obrigaram-nos a entrar nos carros como prisioneiros e partiram. Chegaram a algumas casas de colonos, onde se detiveram para comer alguma coisa e beber cachaça e rum. Excitados, dirigiram-se decididos à missão.  

Estava em curso uma antiga luta pela terra. Duas organizações relacionadas com o Ministério do Interior, a Funai e o Incra, tutelam os interesses respectivamente dos índios e dos colonos; contudo, encontram não poucas dificuldades no cumprimento de suas tarefas.

 

Centenas de pequenos posseiros desalojados das grandes fazendas dos ricos latifundiários invadem os territórios indígenas ali se fixando, em situações às vezes de extrema indigência. Era o caso de Meruri. A presença dos agrimensores da Funai vindos para repartir os terrenos tinha revigorado improvisadamente o furor.

 

Quando os 62 fazendeiros chegaram, armados com pistolas e facas,  encontraram apenas um pequeno missionário, padre Ochoa. Começaram a bater nele, gritando que os missionários eram todos ladrões, que queriam as terras indígenas para si. Os guerreiros Bororo tinham partido há uma semana para a caça da arara e do cateto. O missionário insultado não sabia como se defender, quando chegou o padre Rodolfo. Estava suado pelo cansaço  e sorridente. Tinha as mãos sujas de óleo, porque precisara consertar novamente o seu jipe.

 

“Padre diretor, vá para a casa do Pai”

 

Os invasores eram homens conhecidos na aldeia. O chefe Eugênio que acabara o café da manhã e aproximava-se, reconheceu logo João Preto e muitos outros. João e padre Rodolfo falavam de terras e de medidas, e o missionário procurava dar explicações. "Não é assim", dizia. "Estas medidas são coisas oficiais, ordenadas pela Funai…". Os colonos, porém, sentiam-se usurpados. Então, o padre Rodolfo propôs fazer a lista de todos os que desejavam protestar; ele, pessoalmente, haveria de recolher o protesto e o enviaria à Funai, a organização governamental que protege os indígenas. Entraram, então, na sala da direção, e o padre Rodolfo sentou-se. Escreveu 42 nomes em uma grande folha, um depois do outro. Aquela folha permaneceu sobre a mesa; a grafia evidentemente era nervosa. Padre Rodolfo não imaginava que escrevia pela última vez, e que listava os nomes dos seus assassinos.

 Parece que tudo estava em ordem. O cacique, os noves índios, os agrimensores, os fazendeiros retornaram ao pátio, e o padre Rodolfo apertou a mão de cada um. Os agrimensores descarregaram de um carro os seus equipamentos para usá-los. Foram também retiradas as armas sequestradas dos índios Bororo. Ao ver aquela estranha operação, padre Rodolfo saiu em uma exclamação de estupor e reprovação. Foi-lhe fatal.

 

João Mineiro deu-lhe uma bofetada. Os índios correram para o seu lado. João tirou do bolso uma arma. Estava fazendo a mira quando Gabriel, um dos Bororo, agarrou-lhe o pulso. No mesmo instante, Preto tirou a sua pistola e atirou no missionário. Da varanda, irmã Rita viu o padre Rodolfo levar as mãos ao peito, e a sua figura alta e robusta vacilou. Preto disparou outros quatro tiros no missionário, que caiu ao chão. O índio Simão, que tentara defender o missionário, foi atingido. A mãe do jovem índio, Tereza, correu para junto do filho para socorrê-lo, e recebeu uma bala no peito. Finalmente, os agressores fugiram. Pularam em seus carros. Quatro deles, a pé, agarraram o pobre Luis Bispo, de 16 anos, um dos atingido por erro, e o arrastaram por uma centena de metros. Depois o abandonaram atrás da vegetação, já morto.

 

Irmã Rita correu até onde o padre Rodolfo jazia ensanguentado. Estava vivo, mas em fim de vida. Só lhe pôde oferecer uma palavra de conforto: “Padre Diretor, vá para a casa do Pai”. O missionário esboçou um sorriso, depois o seu coração parou.

 

Completara-se o sacrifício. Terminara a Missa de Rodolfo Lunkenbein.

 

À noite, a polícia que fora avisada e prendera sete pessoas. Depois, mais quatro. Entre elas, o assassino do padre Rodolfo.

 

O peixe dourado

 

Lunke! Assim o chamavam sua mãe e seus amigos, desde os tempos de escola na Alemanha, sua terra natal. Seu nome era Rodolfo e quem se aproximava dele pela primeira vez ficava impressionado pela imponente altura de 1,92 m, com certa dificuldade para pronunciar o seu sobrenome alemão: Lunkenbein!

 

Todavia, após o impacto inicial, todos se sentiam conquistados pela bondade contagiosa e pelo sorriso alegre e afetuoso daquele padre salesiano missionário. Os orgulhosos indígenas da sua missão, os Bororo, mais poeticamente lhe deram o nome de “Koge Ekureu” (Peixe Dourado).

 

Padre Rodolfo nascera no dia 1º de abril de 1939, em Döringstadt, Alemanha, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial. Sentiu o desejo de ser missionário quando ainda era adolescente, lendo as publicações salesianas. Seguro da sua vocação, padre Rodolfo desembarcou no Brasil como missionário, fez o noviciado em São Paulo e o pós-noviciado em Campo Grande; como primeira experiência fez o tirocínio em Meruri, onde permaneceu até 1965.

 

Retornou à Alemanha para os estudos teológicos e a especialização em missiologia.

 

Ordenado sacerdote em 29 de junho de 1969, pôde retornar a Meruri onde os bororos o receberam com grande afeto.

 

O defensor dos Bororo

 

O missionário fizera frequentemente apelos às autoridades para que interviessem. "Nos últimos dois anos fora com frequência a Brasília, algumas vezes acompanhado pelo cacique Eugênio e seu filho Lourenço. No ano passado Lourenço convocara uma reunião de chefes indígenas, realizada em Meruri, em que os representantes das várias tribos enfrentaram o problema da defesa de suas terras". 

Pessoalmente, padre Rodolfo escrevera diversas cartas à Funai e outras entidades, pedindo a adoção de medidas urgentes para evitar lutas perigosas entre brancos e indígenas. Por exemplo, em dezembro de 1974, advertira as autoridades sobre os atos hostis que eram praticados contra os indígenas por um conhecido fazendeiro. E em janeiro de 1975 lamentava que alguns colonos tinham invadido as plantações dos índios, libertando dezenas de bois, que destruíram grande parte dos campos cultivados pela comunidade Bororo. E, sobretudo escreviam aos jornais, «Deve-se a ele se a Funai há algum tempo iniciara o trabalho de demarcação da reserva bororo». De fato, uma comissão da Funai, acompanhada passo a passo pelo padre Rodolfo, fizera os levantamentos necessários, pelos quais se chegara a um claro Decreto sobre a entrega administrativa da área dos bororos. O último passo, o da demarcação das terras feita por agrimensores indicados para isso, resultou fatal ao padre Rodolfo.

 

Dom Tomás Balduino, presidente do CIMI (Conselho Missionário Indigenista), declarou: "padre Rodolfo não estava por acaso a favor dos indígenas. Sabia que caminhava para a morte, que em um momento ou outro haveria de cair. Mas dizia que não voltaria atrás nem um passo sequer".

 

Vivo nas Terras Férteis

 

A árvore é a torre do sino. No pátio da missão salesiana, na aldeia dos Bororo, há uma imensa árvore, uma mangueira, onde estão pendurados três ou quatro pedaços de trilho ferroviário. Batidos com uma barra de ferro pelas irmãs da missão, soam como sinos. A mangueira é a torre da missão. À sombra desta solene planta os indígenas  costumam alimentar-se nos finais de semana. Seus chefes primeiramente conversam com os padres. Trocam informações, tomam decisões. Depois, reúnem-se em círculos, em pequenos grupos, e ali, discutem na língua bororo.

 

Naquela sexta-feira 16 de julho de 1976, porém, enquanto as sombras da tarde caíam, o pátio da missão oferecia outro espetáculo. Estava cheio de mulheres que choravam com seus bebês ao colo, e de cães que giravam sem qualquer finalidade. Na igreja da missão eram velados os corpos do padre Rodolfo e de Simão bororo. Ao cair da tarde, os chefes Bororo que presidem os costumes e as tradições, fizeram para Simão o «bari-tuxene», cerimônia com cantos desejando ao ente que chegue às Terras Férteis e de muita paz.

 

Os missionários celebraram uma Missa e todos se prepararam para o sepultamento. O horizonte do céu estava cingido pela faixa avermelhada do crepúsculo quando o cortejo caminhou para o cemitério passando ao longo das casas de cores desbotadas da aldeia. Uma nuvem de poeira se elevava do solo macio. Os Bororo choravam com o seu lamento de tons estranhos, guturais, enquanto o pássaro quero-quero gritava ali perto. Padre Mario Gosso, da Colônia Xavante  São Marcos, rezou as últimas orações lendo à luz de uma lanterna.

 

No dia seguinte, sábado, a luz de pleno meio-dia entrava pelas 22 janelas da igreja da missão quando começou a Missa fúnebre pelo padre Rodolfo. Sobre o caixão havia um fantástico diadema de penas de arara, e o morto tinha na cabeça o «tiwaba etoiaba», ornamento reservado aos caciques. Pouco antes, quatro Bororo  entoaram os mesmos cantos já executados para Simão. Agitando as maracas, cantaram e choraram. As índias, sentadas ao redor do altar, acompanharam os cantores com o contraponto de seus exasperados lamentos.

 

O caixão foi levado ao longo do caminho empoeirado; abria a marcha, tendo elevada a cruz, o índio Xavante Ronema, com as orelhas transpassadas por dois «wed-hu», os grandes brincos de madeira. À beira do túmulo, um dos 13 missionários presentes rezou, e um bororo, com um ornamento idêntico ao do missionário morto, entoou o canto fúnebre.

 

«O o o o o o, ro-ro-ro». Assim choram todos os índios.

 

«Koge Ekureu» fora morto para que fosse concedido aos bororos o direito de continuar em suas terras, que foram de seus pais, dos seus antepassados. Confortavam-se, porém, porque sabiam que esse cacique vindo de um país distante estava vivo para sempre nas Terras Férteis, onde há muita paz.

 

"Eu vim para servir e dar a vida"

 

O lema sacerdotal que escolhera para a Ordenação era “Eu vim para servir e dar a vida”. Em sua última visita à Alemanha, em 1974, sua mãe pedira-lhe para estar atento, porque a tinham informado sobre os riscos que o filho corria. Ele respondeu: "Mamãe, por que se preocupa? Não há nada de mais belo do que morrer pela causa de Deus. Este seria o meu sonho”.

 

Inspetoria São João Bosco

 

 

 

 

 

 

 

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