Padre salesiano brasileiro é o representante do Papa na Amazônia

Segunda, 04 Junho 2018 12:24 Escrito por  Renato Grandelle – O Globo
Padre salesiano brasileiro é o representante do Papa na Amazônia Padre Justino em encontro com o Papa Francisco, na primeira reunião da Comissão preparatória ao Sínodo Arquivo pessoal Pe. Justino Rezende
No início de fevereiro, o padre amazonense Justino Tukuya visitou Taracuá, no interior no estado, para dar aulas sobre políticas educacionais indígenas. Três meses depois, fez outra apresentação, desta vez no Vaticano, com o Papa Francisco na plateia. Justino, de 57 anos, indígena de uma comunidade tukuya na fronteira do Brasil com a Colômbia, terá assento especial em um encontro de bispos que será realizado em Roma em outubro de 2019, cujo tema será os rumos da Igreja Católica na Amazônia.  

— Voltei do curso e fui para São Gabriel da Cachoeira, que fica a seis horas de barco. Lá recebi uma mensagem dizendo que deveria retornar para Manaus, onde fica meu santuário — lembra. — Soube, então, que um secretário da Rede Eclesial Pan-amazônica me convidou para participar do sínodo (o debate dos bispos). Hesitei um pouco, porque acho que encontros entre bispos e cardeais é algo muito distante da minha realidade. Mas eles precisavam de um representante dos povos indígenas, alguém que contasse um pouco sobre nosso pensamento.

 

Estudar um discurso que dê unidade às centenas de populações nativas da Amazônia é o maior desafio enfrentado por Justino, que se juntou à congregação salesiana em 1984. Dez anos depois, tornou-se sacerdote.

 

Justino testemunhou a ascensão e uma lenta decadência na presença dos salesianos na região. A ordem, que estava concentrada no território indígena no Alto do Rio Negro, no Norte do Amazonas, difundiu-se nos anos 1980 por diversas comunidades. Até o final do século, uma onda de sacerdotes abandonou a vida religiosa para, segundo Justino, “formar família”. Algumas localidades recebem visitas de padres apenas duas vezes por ano, abrindo espaço para a difusão de outras igrejas, especialmente as neopentecostais.

 

Em sua primeira década como salesiano, antes de tornar-se padre, Justino percebeu que a religião não deveria ser sua única bandeira. No curso de Teologia, que fez em São Carlos, no interior paulista, engajou-se em movimentos sociais, para contrariedade dos inspetores. Ao terminar os estudos, voltou para o estado natal. E lá entrou no Movimento Estudantil Indígena do Amazonas, que reivindicava a demarcação de terras e a integração escolar dessas populações.

 

— Eu me empolguei com as reuniões e assembleias. Fui até enviado para a Guatemala para conhecer melhor o movimento indígena local, que tinha algumas marcas religiosas próprias, como as músicas e os símbolos — lembra Justino, que, além de teólogo, tem em seu currículo um doutorado em Antropologia Social.

 

Suas primeiras missas foram em tukano, sua língua pátria, em uma missão salesiana em Iauareté, próximo ao local em que nasceu. Nos anos seguintes, estudou em Campo Grande e trabalhou com ianomâmis no Rio Negro até chegar às paróquias de Manaus. Hoje fala com os fiéis em português. Se necessário, apela para espanhol ou italiano.

 

Uma das inspirações de Justino é a “Laudato Si”, a primeira encíclica da História da Igreja destinada exclusivamente ao meio ambiente, escrita pelo Papa Francisco em 2015. Em janeiro, quando visitou o Peru, o líder do Vaticano deu mais uma demonstração de seu interesse pela natureza. Incluiu em seu roteiro uma reunião com povos indígenas de Puerto Maldonado, na porta de entrada do trecho da Amazônia daquele país, onde ele fez um encontro preparatório para o sínodo dos bispos que acontecerá em Roma.

 

— Cinco assessores escreveram um primeiro rascunho sobre o que será abordado na reunião — explica Justino. — São assuntos como ecologia, biodiversidade e a História da Igreja na Amazônia. Meu tema é a espiritualidade. Ainda vamos fazer várias conferências e seminários nos próximos meses.

 

‘Rosto indígena’ da Igreja

 

Em abril, após o preparo do rascunho, os redatores foram convidados a mostrar seu trabalho ao Papa. O grupo pediu para que Justino fosse o porta-voz da reunião, já que a ideia do sínodo é “pensar a Igreja como rosto indígena” — e ele é o único do grupo que tem essa origem.

 

Preparei um discurso, mas, quando vi que teria pouco tempo, decidi improvisar. E o Papa gostou de ter essa visão pessoal. Participou de um dia inteiro de reuniões — conta Justino. — Quando ele me chamou para cumprimentá-lo, fiquei sem jeito, eu não era ninguém diante dos bispos. Pedi uma bênção, ele pediu um abraço. Filmei para que meus parentes acreditassem.

 

Depois do concílio Vaticano II, no início da década de 1960, o Vaticano mudou seu olhar sobre as práticas culturais indígenas. Segundo Justino, a Igreja tornou-se mais tolerante a rituais como a convocação de espíritos pelos pajés para a cura de doenças.

 

— Teremos um longo processo de aproximação de valores e práticas de vida cristãs com valores e práticas de vida indígena — explica o padre. — Um assunto importante, delicado para tratar e difícil de decidir, é o número reduzido de sacerdotes, porque isso trata de pessoas e suas escolhas. Acredito que as próprias comunidades da Amazônia dirão como isso pode ser resolvido.

 

Fonte: O Globo

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Última modificação em Segunda, 04 Junho 2018 12:35

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Padre salesiano brasileiro é o representante do Papa na Amazônia

Segunda, 04 Junho 2018 12:24 Escrito por  Renato Grandelle – O Globo
Padre salesiano brasileiro é o representante do Papa na Amazônia Padre Justino em encontro com o Papa Francisco, na primeira reunião da Comissão preparatória ao Sínodo Arquivo pessoal Pe. Justino Rezende
No início de fevereiro, o padre amazonense Justino Tukuya visitou Taracuá, no interior no estado, para dar aulas sobre políticas educacionais indígenas. Três meses depois, fez outra apresentação, desta vez no Vaticano, com o Papa Francisco na plateia. Justino, de 57 anos, indígena de uma comunidade tukuya na fronteira do Brasil com a Colômbia, terá assento especial em um encontro de bispos que será realizado em Roma em outubro de 2019, cujo tema será os rumos da Igreja Católica na Amazônia.  

— Voltei do curso e fui para São Gabriel da Cachoeira, que fica a seis horas de barco. Lá recebi uma mensagem dizendo que deveria retornar para Manaus, onde fica meu santuário — lembra. — Soube, então, que um secretário da Rede Eclesial Pan-amazônica me convidou para participar do sínodo (o debate dos bispos). Hesitei um pouco, porque acho que encontros entre bispos e cardeais é algo muito distante da minha realidade. Mas eles precisavam de um representante dos povos indígenas, alguém que contasse um pouco sobre nosso pensamento.

 

Estudar um discurso que dê unidade às centenas de populações nativas da Amazônia é o maior desafio enfrentado por Justino, que se juntou à congregação salesiana em 1984. Dez anos depois, tornou-se sacerdote.

 

Justino testemunhou a ascensão e uma lenta decadência na presença dos salesianos na região. A ordem, que estava concentrada no território indígena no Alto do Rio Negro, no Norte do Amazonas, difundiu-se nos anos 1980 por diversas comunidades. Até o final do século, uma onda de sacerdotes abandonou a vida religiosa para, segundo Justino, “formar família”. Algumas localidades recebem visitas de padres apenas duas vezes por ano, abrindo espaço para a difusão de outras igrejas, especialmente as neopentecostais.

 

Em sua primeira década como salesiano, antes de tornar-se padre, Justino percebeu que a religião não deveria ser sua única bandeira. No curso de Teologia, que fez em São Carlos, no interior paulista, engajou-se em movimentos sociais, para contrariedade dos inspetores. Ao terminar os estudos, voltou para o estado natal. E lá entrou no Movimento Estudantil Indígena do Amazonas, que reivindicava a demarcação de terras e a integração escolar dessas populações.

 

— Eu me empolguei com as reuniões e assembleias. Fui até enviado para a Guatemala para conhecer melhor o movimento indígena local, que tinha algumas marcas religiosas próprias, como as músicas e os símbolos — lembra Justino, que, além de teólogo, tem em seu currículo um doutorado em Antropologia Social.

 

Suas primeiras missas foram em tukano, sua língua pátria, em uma missão salesiana em Iauareté, próximo ao local em que nasceu. Nos anos seguintes, estudou em Campo Grande e trabalhou com ianomâmis no Rio Negro até chegar às paróquias de Manaus. Hoje fala com os fiéis em português. Se necessário, apela para espanhol ou italiano.

 

Uma das inspirações de Justino é a “Laudato Si”, a primeira encíclica da História da Igreja destinada exclusivamente ao meio ambiente, escrita pelo Papa Francisco em 2015. Em janeiro, quando visitou o Peru, o líder do Vaticano deu mais uma demonstração de seu interesse pela natureza. Incluiu em seu roteiro uma reunião com povos indígenas de Puerto Maldonado, na porta de entrada do trecho da Amazônia daquele país, onde ele fez um encontro preparatório para o sínodo dos bispos que acontecerá em Roma.

 

— Cinco assessores escreveram um primeiro rascunho sobre o que será abordado na reunião — explica Justino. — São assuntos como ecologia, biodiversidade e a História da Igreja na Amazônia. Meu tema é a espiritualidade. Ainda vamos fazer várias conferências e seminários nos próximos meses.

 

‘Rosto indígena’ da Igreja

 

Em abril, após o preparo do rascunho, os redatores foram convidados a mostrar seu trabalho ao Papa. O grupo pediu para que Justino fosse o porta-voz da reunião, já que a ideia do sínodo é “pensar a Igreja como rosto indígena” — e ele é o único do grupo que tem essa origem.

 

Preparei um discurso, mas, quando vi que teria pouco tempo, decidi improvisar. E o Papa gostou de ter essa visão pessoal. Participou de um dia inteiro de reuniões — conta Justino. — Quando ele me chamou para cumprimentá-lo, fiquei sem jeito, eu não era ninguém diante dos bispos. Pedi uma bênção, ele pediu um abraço. Filmei para que meus parentes acreditassem.

 

Depois do concílio Vaticano II, no início da década de 1960, o Vaticano mudou seu olhar sobre as práticas culturais indígenas. Segundo Justino, a Igreja tornou-se mais tolerante a rituais como a convocação de espíritos pelos pajés para a cura de doenças.

 

— Teremos um longo processo de aproximação de valores e práticas de vida cristãs com valores e práticas de vida indígena — explica o padre. — Um assunto importante, delicado para tratar e difícil de decidir, é o número reduzido de sacerdotes, porque isso trata de pessoas e suas escolhas. Acredito que as próprias comunidades da Amazônia dirão como isso pode ser resolvido.

 

Fonte: O Globo

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