Sexualidade e chamado de Deus – Parte II

Segunda, 21 Janeiro 2019 10:40 Escrito por 
Sexualidade e chamado de Deus – Parte II iStock.com
Neste artigo, padre João Mendonça dá continuidade à série de reflexões no Boletim Salesiano, tendo como tema sexualidade e vocação religiosa.  

No artigo anterior terminei afirmando que o corpo é o lugar da comunicação da sexualidade: corpo físico e espiritual. Somos o templo do Deus vivo!

 

Sexualidade e cultura

Pois bem. A sexualidade humana encontra seu lugar de expressão dentro de uma sociedade e de uma cultura. Portanto, a estrutura da sexualidade depende do contexto no qual ela está inserida. Somos latino-americanos e nossa sexualidade não poderia ser mais expressiva senão dentro deste nosso contexto.

 

Contudo, América Latina e Caribe não formam uma cultura homogênea, mas uma cultura multiétnica e pluricultural. Somos a síntese de vários povos europeus e indígenas. Isto nos enriquece e ao mesmo tempo torna complexa nossa identidade. Por conseguinte, a questão de gênero encontra neste ambiente sua mais complexa visibilidade. Não dá para entender a masculinidade e a feminilidade latinas sem uma relação dialética, exatamente pela nossa formação cultural.

 

Porém, como esta realidade interfere no chamado de Deus? Ou será que o chamado se desvia de tudo isto e acontece de forma independente do local, da família, da sociedade; ou seja, da cultura?

 

Temo em dizer que a sexualidade é cheia de enigmas, portanto, é fruto da obra criadora de Deus e é mistério. Por conseguinte, como a natureza não dá saltos, o chamado acontece numa relação que envolve o mistério e a realidade. É o que chamamos de “sistema de significados”, quer dizer, são percepções de mundo, imagens do ser humano, códigos de comportamento, juízo de valores, relações sociais, processos de educação, ritos cotidianos de vida. Deus seduz a partir de um lugar, Ele separa e envia para anunciar a Boa Notícia neste espaço e tempo.

 

Vocação é diálogo

O dado de uma vocação e o conteúdo de cada resposta vocacional (ser homem, mulher, cristão leigo e leiga, consagrado, presbiterado), com a diversidade das culturas, requer o aprofundamento do significado da vocação e, ao mesmo tempo, a realização e as aspirações vocacionais dentro de uma cultura, com a consequente realização da pessoa. O chamado de Deus acontece dentro de uma cultura e toca a história da pessoa. O diálogo entre Deus e a pessoa chamada se desenvolve a partir das escolhas cotidianas que faz, e torna-se realidade na medida em que o discernimento se realiza.

 

Sendo um diálogo com Deus, o chamado envolve o confronto com os eventos da história. Na Bíblia é assim que acontece. Moisés vive a experiência de crescer dentro do ambiente egípcio, mesmo sendo hebreu, e em certo momento é chamado a retornar às suas origens para libertar o povo escravizado.

 

Os profetas iluminaram com palavras, símbolos e imagens fortes os contrastes que viviam e a relação com Deus. Paulo cai de sua prepotência para entender que é chamado a ser mensageiro daquele que ele persegue. A salvação acontece dentro desse dinamismo da história, que é o conteúdo mesmo do chamado.

 

A resposta vocacional é mergulho na cultura

Assim, a vocação de cada pessoa está inserida no Mistério de Jesus Cristo. Nele fomos batizados; nele confrontamos o projeto humano segundo o projeto de Deus. Não se trata apenas de assumir um papel dentro da história, mas de mergulhar na realidade Trinitária que nos coloca dentro do dinamismo da Igreja.

 

Jesus não é um conto de fadas, mas uma pessoa que foi vista, ouvida, contemplada e tocada pelos primeiros chamados (1 Jo 1,1-4). Portanto, uma resposta vocacional, para ser autêntica, comporta estar em sintonia com uma comunidade real, com pessoas e relações que ajudam a pessoa chamada a uma vida de exclusiva pertença a Deus e de compromisso com o ambiente cultural em que vive.

 

A liquidez vocacional (a inconstância na resposta e o medo de assumir compromissos para sempre) nasce e se alimenta de uma falsa compreensão do chamado, que tira a pessoa da cultura e a coloca num patamar acima do humano, como se fosse um ser espiritual. Responder ao chamado significa estar comprometido com a realização do reinado de Deus, ou seja, significa saber servir.

 

Tudo isso implica a vivência da espiritualidade cristã, o que vai muito além de fazer coisas pelo Reino; é ser sinal do Reino acontecendo. O que vai aparecer não é tanto a pessoa, mas a força da ação do Espírito que tudo transforma. Este será o tema do próximo artigo.

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Última modificação em Segunda, 21 Janeiro 2019 11:03

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Sexualidade e chamado de Deus – Parte II

Segunda, 21 Janeiro 2019 10:40 Escrito por 
Sexualidade e chamado de Deus – Parte II iStock.com
Neste artigo, padre João Mendonça dá continuidade à série de reflexões no Boletim Salesiano, tendo como tema sexualidade e vocação religiosa.  

No artigo anterior terminei afirmando que o corpo é o lugar da comunicação da sexualidade: corpo físico e espiritual. Somos o templo do Deus vivo!

 

Sexualidade e cultura

Pois bem. A sexualidade humana encontra seu lugar de expressão dentro de uma sociedade e de uma cultura. Portanto, a estrutura da sexualidade depende do contexto no qual ela está inserida. Somos latino-americanos e nossa sexualidade não poderia ser mais expressiva senão dentro deste nosso contexto.

 

Contudo, América Latina e Caribe não formam uma cultura homogênea, mas uma cultura multiétnica e pluricultural. Somos a síntese de vários povos europeus e indígenas. Isto nos enriquece e ao mesmo tempo torna complexa nossa identidade. Por conseguinte, a questão de gênero encontra neste ambiente sua mais complexa visibilidade. Não dá para entender a masculinidade e a feminilidade latinas sem uma relação dialética, exatamente pela nossa formação cultural.

 

Porém, como esta realidade interfere no chamado de Deus? Ou será que o chamado se desvia de tudo isto e acontece de forma independente do local, da família, da sociedade; ou seja, da cultura?

 

Temo em dizer que a sexualidade é cheia de enigmas, portanto, é fruto da obra criadora de Deus e é mistério. Por conseguinte, como a natureza não dá saltos, o chamado acontece numa relação que envolve o mistério e a realidade. É o que chamamos de “sistema de significados”, quer dizer, são percepções de mundo, imagens do ser humano, códigos de comportamento, juízo de valores, relações sociais, processos de educação, ritos cotidianos de vida. Deus seduz a partir de um lugar, Ele separa e envia para anunciar a Boa Notícia neste espaço e tempo.

 

Vocação é diálogo

O dado de uma vocação e o conteúdo de cada resposta vocacional (ser homem, mulher, cristão leigo e leiga, consagrado, presbiterado), com a diversidade das culturas, requer o aprofundamento do significado da vocação e, ao mesmo tempo, a realização e as aspirações vocacionais dentro de uma cultura, com a consequente realização da pessoa. O chamado de Deus acontece dentro de uma cultura e toca a história da pessoa. O diálogo entre Deus e a pessoa chamada se desenvolve a partir das escolhas cotidianas que faz, e torna-se realidade na medida em que o discernimento se realiza.

 

Sendo um diálogo com Deus, o chamado envolve o confronto com os eventos da história. Na Bíblia é assim que acontece. Moisés vive a experiência de crescer dentro do ambiente egípcio, mesmo sendo hebreu, e em certo momento é chamado a retornar às suas origens para libertar o povo escravizado.

 

Os profetas iluminaram com palavras, símbolos e imagens fortes os contrastes que viviam e a relação com Deus. Paulo cai de sua prepotência para entender que é chamado a ser mensageiro daquele que ele persegue. A salvação acontece dentro desse dinamismo da história, que é o conteúdo mesmo do chamado.

 

A resposta vocacional é mergulho na cultura

Assim, a vocação de cada pessoa está inserida no Mistério de Jesus Cristo. Nele fomos batizados; nele confrontamos o projeto humano segundo o projeto de Deus. Não se trata apenas de assumir um papel dentro da história, mas de mergulhar na realidade Trinitária que nos coloca dentro do dinamismo da Igreja.

 

Jesus não é um conto de fadas, mas uma pessoa que foi vista, ouvida, contemplada e tocada pelos primeiros chamados (1 Jo 1,1-4). Portanto, uma resposta vocacional, para ser autêntica, comporta estar em sintonia com uma comunidade real, com pessoas e relações que ajudam a pessoa chamada a uma vida de exclusiva pertença a Deus e de compromisso com o ambiente cultural em que vive.

 

A liquidez vocacional (a inconstância na resposta e o medo de assumir compromissos para sempre) nasce e se alimenta de uma falsa compreensão do chamado, que tira a pessoa da cultura e a coloca num patamar acima do humano, como se fosse um ser espiritual. Responder ao chamado significa estar comprometido com a realização do reinado de Deus, ou seja, significa saber servir.

 

Tudo isso implica a vivência da espiritualidade cristã, o que vai muito além de fazer coisas pelo Reino; é ser sinal do Reino acontecendo. O que vai aparecer não é tanto a pessoa, mas a força da ação do Espírito que tudo transforma. Este será o tema do próximo artigo.

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