Educação: Um país sem prioridade

Sexta, 07 Março 2014 14:35 Escrito por 
Vivemos num país “abençoado por Deus e bonito por natureza”. Nesta frase está faltando a contribuição do povo brasileiro. Infelizmente ainda não é a hora de gritar e sambar com Jorge Ben Jor que o país tropical acompanhou a bênção de Deus e a beleza da natureza.

O IBGE divulgou recentemente dados relevantes. Segundo sua Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), 14 milhões de crianças e adolescentes até 17 anos estão excluídos do sistema educacional brasileiro. Somente 70% dos alunos terminam o ensino fundamental, com atraso médio de quatro anos. Apenas 16% da população economicamente ativa concluiu o ensino médio.

No que se refere ao ensino médio, de 15 a 18 anos, há uma verdadeira calamidade.No estado do Rio Grande do Sul, já considerado adiantado em educação, dos jovens que estão em idade de frequentar o ensino médio, 20% estão fora da escola. Parece difícil acreditar, mas pelo menos um quinto de nossos adolescentes está longe do que há de mais importante nesse período da vida: educação. Dos 80% que se matriculam neste grau de ensino, há uma evasão anual (abandono escolar) de 10,1% e repetência de 19,9%. Somados repetência e abandono, chegam a 30%, índice que revela uma verdadeira tragédia social. Somados aos 20% que não entram no ensino médio, temos uma taxa alarmante de 50% dos adolescentes que não iniciam ou não concluem o ensino médio adequadamente.

Para agravar um pouco mais esta situação, apenas 38% dos(as) professores(as) que dão aulas para alunos mais pobres no ensino fundamental da rede pública dizem acreditar que quase todos os estudantes concluirão o ensino médio. A descrença na capacidade de muitos alunos completarem o ensino médio pode tornar-se uma profecia autorrealizadora. Este fenômeno foi estudado pelos pesquisadores americanos Rosenthal e Jacobsen, que provaram que a expectativa dos professores tinha impacto no desempenho dos alunos. Com uma visão negativa dos alunos, educadores se relacionam com eles de modo a confirmar as expectativas de que serão incapazes de aprender. Na prática isso pode acontecer por meio de comportamentos explícitos – agressões verbais – ou sutis, como a frequência com que atendem as dúvidas de alunos considerados menos capazes.

Nos cálculos das Nações Unidas, os jovens brasileiros permanecem em média 8,4 anos nos bancos escolares. A média é inferior à do Chile, de 10,9 anos, e à da Argentina, de 10,5 anos. No Brasil, um em cada cinco eleitores não foi à escola ou é analfabeto. Em números absolutos isto representa 27 milhões de eleitores que ou nunca frequentaram a escola ou são analfabetos. Só 13% dos brasileiros entre 18 e 24 anos frequentam o ensino superior. Nos países da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico(OCDE), a percentagem é, em média, de 30%, e na Coréia do Sul, de 60%. De resto, apenas 9% da população brasileira conclui o ensino superior, contra 26%, na média nos países da OCDE. O Brasil não é um país membro da OCDE, mas tem a distinção de membro pleno, com participação em algumas reuniões e plena cooperação em diálogos e negociações sobre o desenvolvimento das economias mundiais.

Cerca de dois em cada dez jovens brasileiros entre 18 e 25 anos não estudam e nem trabalham (19,5%). É a geração nem-nem. Em números absolutos são 5,3 milhões de jovens. Os dados são do IBGE de 2010. Embora o desemprego esteja caindo em nosso país, paradoxalmente os indicadores mostram que os nem-nem estão crescendo.

Este é o perfil do adolescente infrator que chega às instituições de privação de liberdade no Brasil: 98% não completou o ensino fundamental (embora 77% tenha idade suficiente, ou seja, são maiores de 15 anos), sendo que 15% são analfabetos e 61% não frequentavam a escola. Ainda mais, 99% destes jovens provêm de famílias que ganham menos de seis salários mínimos. Mais ainda, mais de 90% são negros. Sabemos perfeitamente que jovens das elites brasileiras se envolvem com drogas (tanto no uso quanto no tráfico), com acidentes de trânsito, com homicídios, depredações, arruaças, uso ilegal de armas, participam de gangues juvenis, exercem violência sexual, corrompem-se e são corrompidos por dinheiro? Por que esta discriminação tão escandalosa?

Enquanto alguns brasileiros têm acesso ao que há de mais moderno em todos os campos, a maioria da população vive de migalhas tecnológicas ou, então, não tem nenhum acesso a elas. São os Lázaros modernos sedentos de comer migalhas que caem do banquete tecnológico e educacional dos ricos.

Há coisas não resolvidas em nosso país. Uma delas é a universalização da educação, sobretudo da básica. Para que haja esta universalização é importante que haja uma visão diferente do próprio financiamento da educação. Hoje, 87% da educação brasileira é feita em escolas estatais, 10% em escolas privadas e 3% em escolas confessionais. Os recursos públicos são destinados à educação estatal. As escolas privadas estão se beneficiando do mercado livre. As confessionais, ora furam o discurso das estatais abocanhando parcos recursos públicos, ora fazem o discurso das instituições privadas de ensino entregando-se ao mercado. Entregar-se ao mercado, hoje, significa servir as camadas mais altas da população brasileira que não muda de ideologia de jeito nenhum porque tem a visão de privilégio do que de compromisso social.

Há países que resolveram esta questão de forma diferente. O Chile, por exemplo, universalizou a educação básica com o financiamento público para todas as escolas, inclusive as da iniciativa privada. Só não entra nesta dinâmica quem optar por um caminho altamente privatista ocupando nichos seletos de ensino. Inclusive todas as escolas chilenas de educação básica são de turno integral. Não é aceitável a desculpa de que o Chile é um país pequeno, com uma população pequena (17,46 milhões de habitantes). Guardadas as devidas proporções, o Brasil é um país continental com imensas possibilidades naturais, culturais, demográficas, econômicas... População numerosa, hoje, significa poder de mercado interno.

O problema não é apenas do governo porque este executa o que a nação quer... Há uma afirmação que diz: “o povo tem o governo que merece”. Não é bem verdade. O povo tem o governo que escolhe. Enquanto a escola estatal (municipal, estadual, federal) estiver servindo à enorme população das camadas mais baixas da população e a elite brasileira puder se servir das escolas privadas nacionais ou estrangeiras para educar as novas gerações, numa visão de privilégio e não de compromisso social, o que teremos é um apartheid sempre maior de classes. A violência que atinge a sociedade brasileira tem esta origem. A violência não está ligada à pobreza. Pobre não é violento. A violência está ligada à desigualdade social. Educação mal gerida, mal distribuida, mal qualificada não conseguirá gerar uma nação onde a cidadania constitucional é prioridade e os direitos de todos são respeitados.

Educação não é sinônimo de cultura erudita, bons modos, etiqueta. Educação é questão de respeito à dignidade de todos sobretudo à democratização à escola no acesso, na qualidade e na gestão.

A Família Salesiana aprendeu de Dom Bosco a amar a escola. Ele viveu no século XIX, período de grandes reformas educacionais no Piemonte e, posteriormente, na Itália. Engajou-se profundamente na universalização da educação básica assumindo as novas tecnologias da época. É só ver o entusiasmo com que assumiu o sistema métrico decimal, novidade na época. Contribuiu, sobretudo, com a organização do Sistema Preventivo feito à sua imagem e semelhança que era e é, ao mesmo tempo, pedagogia, pastoral e espiritualidade.

Pe. Marcos Sandrini, SDB, é diretor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS

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Última modificação em Quarta, 02 Abril 2014 16:07

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Educação: Um país sem prioridade

Sexta, 07 Março 2014 14:35 Escrito por 
Vivemos num país “abençoado por Deus e bonito por natureza”. Nesta frase está faltando a contribuição do povo brasileiro. Infelizmente ainda não é a hora de gritar e sambar com Jorge Ben Jor que o país tropical acompanhou a bênção de Deus e a beleza da natureza.

O IBGE divulgou recentemente dados relevantes. Segundo sua Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), 14 milhões de crianças e adolescentes até 17 anos estão excluídos do sistema educacional brasileiro. Somente 70% dos alunos terminam o ensino fundamental, com atraso médio de quatro anos. Apenas 16% da população economicamente ativa concluiu o ensino médio.

No que se refere ao ensino médio, de 15 a 18 anos, há uma verdadeira calamidade.No estado do Rio Grande do Sul, já considerado adiantado em educação, dos jovens que estão em idade de frequentar o ensino médio, 20% estão fora da escola. Parece difícil acreditar, mas pelo menos um quinto de nossos adolescentes está longe do que há de mais importante nesse período da vida: educação. Dos 80% que se matriculam neste grau de ensino, há uma evasão anual (abandono escolar) de 10,1% e repetência de 19,9%. Somados repetência e abandono, chegam a 30%, índice que revela uma verdadeira tragédia social. Somados aos 20% que não entram no ensino médio, temos uma taxa alarmante de 50% dos adolescentes que não iniciam ou não concluem o ensino médio adequadamente.

Para agravar um pouco mais esta situação, apenas 38% dos(as) professores(as) que dão aulas para alunos mais pobres no ensino fundamental da rede pública dizem acreditar que quase todos os estudantes concluirão o ensino médio. A descrença na capacidade de muitos alunos completarem o ensino médio pode tornar-se uma profecia autorrealizadora. Este fenômeno foi estudado pelos pesquisadores americanos Rosenthal e Jacobsen, que provaram que a expectativa dos professores tinha impacto no desempenho dos alunos. Com uma visão negativa dos alunos, educadores se relacionam com eles de modo a confirmar as expectativas de que serão incapazes de aprender. Na prática isso pode acontecer por meio de comportamentos explícitos – agressões verbais – ou sutis, como a frequência com que atendem as dúvidas de alunos considerados menos capazes.

Nos cálculos das Nações Unidas, os jovens brasileiros permanecem em média 8,4 anos nos bancos escolares. A média é inferior à do Chile, de 10,9 anos, e à da Argentina, de 10,5 anos. No Brasil, um em cada cinco eleitores não foi à escola ou é analfabeto. Em números absolutos isto representa 27 milhões de eleitores que ou nunca frequentaram a escola ou são analfabetos. Só 13% dos brasileiros entre 18 e 24 anos frequentam o ensino superior. Nos países da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico(OCDE), a percentagem é, em média, de 30%, e na Coréia do Sul, de 60%. De resto, apenas 9% da população brasileira conclui o ensino superior, contra 26%, na média nos países da OCDE. O Brasil não é um país membro da OCDE, mas tem a distinção de membro pleno, com participação em algumas reuniões e plena cooperação em diálogos e negociações sobre o desenvolvimento das economias mundiais.

Cerca de dois em cada dez jovens brasileiros entre 18 e 25 anos não estudam e nem trabalham (19,5%). É a geração nem-nem. Em números absolutos são 5,3 milhões de jovens. Os dados são do IBGE de 2010. Embora o desemprego esteja caindo em nosso país, paradoxalmente os indicadores mostram que os nem-nem estão crescendo.

Este é o perfil do adolescente infrator que chega às instituições de privação de liberdade no Brasil: 98% não completou o ensino fundamental (embora 77% tenha idade suficiente, ou seja, são maiores de 15 anos), sendo que 15% são analfabetos e 61% não frequentavam a escola. Ainda mais, 99% destes jovens provêm de famílias que ganham menos de seis salários mínimos. Mais ainda, mais de 90% são negros. Sabemos perfeitamente que jovens das elites brasileiras se envolvem com drogas (tanto no uso quanto no tráfico), com acidentes de trânsito, com homicídios, depredações, arruaças, uso ilegal de armas, participam de gangues juvenis, exercem violência sexual, corrompem-se e são corrompidos por dinheiro? Por que esta discriminação tão escandalosa?

Enquanto alguns brasileiros têm acesso ao que há de mais moderno em todos os campos, a maioria da população vive de migalhas tecnológicas ou, então, não tem nenhum acesso a elas. São os Lázaros modernos sedentos de comer migalhas que caem do banquete tecnológico e educacional dos ricos.

Há coisas não resolvidas em nosso país. Uma delas é a universalização da educação, sobretudo da básica. Para que haja esta universalização é importante que haja uma visão diferente do próprio financiamento da educação. Hoje, 87% da educação brasileira é feita em escolas estatais, 10% em escolas privadas e 3% em escolas confessionais. Os recursos públicos são destinados à educação estatal. As escolas privadas estão se beneficiando do mercado livre. As confessionais, ora furam o discurso das estatais abocanhando parcos recursos públicos, ora fazem o discurso das instituições privadas de ensino entregando-se ao mercado. Entregar-se ao mercado, hoje, significa servir as camadas mais altas da população brasileira que não muda de ideologia de jeito nenhum porque tem a visão de privilégio do que de compromisso social.

Há países que resolveram esta questão de forma diferente. O Chile, por exemplo, universalizou a educação básica com o financiamento público para todas as escolas, inclusive as da iniciativa privada. Só não entra nesta dinâmica quem optar por um caminho altamente privatista ocupando nichos seletos de ensino. Inclusive todas as escolas chilenas de educação básica são de turno integral. Não é aceitável a desculpa de que o Chile é um país pequeno, com uma população pequena (17,46 milhões de habitantes). Guardadas as devidas proporções, o Brasil é um país continental com imensas possibilidades naturais, culturais, demográficas, econômicas... População numerosa, hoje, significa poder de mercado interno.

O problema não é apenas do governo porque este executa o que a nação quer... Há uma afirmação que diz: “o povo tem o governo que merece”. Não é bem verdade. O povo tem o governo que escolhe. Enquanto a escola estatal (municipal, estadual, federal) estiver servindo à enorme população das camadas mais baixas da população e a elite brasileira puder se servir das escolas privadas nacionais ou estrangeiras para educar as novas gerações, numa visão de privilégio e não de compromisso social, o que teremos é um apartheid sempre maior de classes. A violência que atinge a sociedade brasileira tem esta origem. A violência não está ligada à pobreza. Pobre não é violento. A violência está ligada à desigualdade social. Educação mal gerida, mal distribuida, mal qualificada não conseguirá gerar uma nação onde a cidadania constitucional é prioridade e os direitos de todos são respeitados.

Educação não é sinônimo de cultura erudita, bons modos, etiqueta. Educação é questão de respeito à dignidade de todos sobretudo à democratização à escola no acesso, na qualidade e na gestão.

A Família Salesiana aprendeu de Dom Bosco a amar a escola. Ele viveu no século XIX, período de grandes reformas educacionais no Piemonte e, posteriormente, na Itália. Engajou-se profundamente na universalização da educação básica assumindo as novas tecnologias da época. É só ver o entusiasmo com que assumiu o sistema métrico decimal, novidade na época. Contribuiu, sobretudo, com a organização do Sistema Preventivo feito à sua imagem e semelhança que era e é, ao mesmo tempo, pedagogia, pastoral e espiritualidade.

Pe. Marcos Sandrini, SDB, é diretor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS

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