Aspectos do amor educativo salesiano

Domingo, 05 Agosto 2012 13:39 Escrito por 
Em preparação às comemorações pelo bicentenário de nascimento do fundador da Família Salesiana, São João Bosco, o reitor-mor dos Salesianos propôs um itinerário formativo. A proposta é que, a cada 16 de agosto (data de nascimento de Dom Bosco) e durante todo o ano subsequente, seja estudado um tema diferente. Para o período de 16 de agosto de 2012 a 15 de agosto de 2013, as reflexões devem ser feitas com a temática “Pedagogia de Dom Bosco”. Com o objetivo de subsidiar essas discussões com os alunos das escolas e obras sociais salesianas, o Boletim Salesiano inicia uma nova série sobre o tema. Neste artigo de abertura, padre João Mendonça, SDB, destaca as características da prática pedagógica de Dom Bosco: a disponibilidade, a simpatia e o diálogo com os jovens.


Educar para Dom Bosco era muito mais que transmitir conhecimentos. Na sua prática pedagógica aparece claramente o amor como: disponibilidade, simpatia e diálogo com os jovens, resumindo, familiaridade (conforme afirmado na Carta de Roma, em 1884).
Trata-se de uma relação que se estabelece entre educador e educando que transcende os limites de um simples contato. É um olhar afetuoso, é palavra clara e orientativa, é interesse pelos problemas reais, é fixar o olhar no jovem quando se fala com ele, é estar com ele e com eles sem condenações, mas na atitude de acolhida. Certamente será cansativo para um educador nos dias atuais desenvolver tais atitudes porque vivemos em uma sociedade marcada pelo tempo, pelo agora, por escolhas muitas vezes demasiado efêmeras e pessoais.
O educador salesiano – entenda-se por educador todo aquele que procura valorizar os potenciais humanos dos jovens –, precisará conhecer ainda mais o mundo juvenil e seus apelos, despojando-se dos preconceitos e abrindo-se ao diálogo de pátio que supõe tempo, vontade e iniciativa.
Portanto, o amor educativo salesiano é disponibilidade, quer dizer, saber colocar-se ao lado dos jovens, quem sabe conectado nas praças das mídias sociais ou mesmo no contato pessoal, para entender sua nova linguagem, às vezes muda, outras vezes rouca, talvez em forma de gritos que ultrapassam os ruídos das múltiplas mídias e, como bem disse Bento XVI na homilia do domingo de Pentecostes 2012, de uma era onde predomina a comunicação, embora o ser humano parece não se comunicar verdadeiramente ou até se sente ameaçado pelo outro. Ora, ser disponível aos jovens será para todos nós um desafio cotidiano e um saber romper os condicionamentos do muito fazer sem saber exatamente os motivos essenciais.

 

Simpatia

O amor educativo salesiano gera simpatia porque o educador não é um vigilante, mas um companheiro de viagem do jovem. Saber sorrir, mesmo enfrentando as dificuldades, desilusões e cansaços. Saber propor e suscitar esperança mesmo diante dos medos que sufocam e atropelam as idades juvenis como as drogas, a prostituição, a falta de oportunidades no trabalho, qualificação e vivência familiar. Saber alegrar-se mesmo diante da dor e do extermínio que machuca e mata tantos jovens em nossas cidades, periferias e bairros. Saber, enfim, criar espaços lúdicos, culturais, artísticos, religiosos que criem sinergia entre o que os jovens gostam e o que nos agrada.
Ilustro ainda este amor de simpatia com um fato. Nos inicios de outubro de 1887, entrou em Valdocco um jovem chamado Luís Variara, oriundo de Viarigi. Mais tarde Variara se tornará salesiano, missionário dos leprosos na Colômbia, fundador de uma comunidade religiosa – as Irmãs dos Sagrados Corações de Jesus e Maria – e, finalmente, candidato aos altares.  Pois bem, Variara alimentava um sonho: ver e falar com Dom Bosco. Entretanto, naqueles últimos meses de vida Dom Bosco não aparece tanto no pátio e raramente conversa com os meninos. Sua saúde estava muito debilitada. Contudo, num dia, enquanto estavam todos no recreio uma voz ecoou: Dom Bosco! Dom Bosco! De fato, Dom Bosco apareceu para dar um passeio. Todos correram para encontrá-lo. Luís buscou um lugar no meio da multidão para quem sabe tocar e falar com o pai Dom Bosco. Aconteceu algo que ele jamais esqueceria. Dom Bosco apenas apareceu e fixou o olhar no pequeno Variara. Sem dizer uma palavra falou ao coração do jovem oratoriano. Isto fez a diferença para Variara. E é isto que faz a diferença na simpatia com os jovens, quer dizer, ir ao encontro de suas necessidades reais e responder aos seus desejos.

Diálogo

Outro elemento fundamental deste amor educativo salesiano é o diálogo construtivo. Quando Domingos Sávio encontrou Dom Bosco pela primeira vez e pediu para entrar no oratório, Dom Bosco não achou a coisa mais acertada. Entretanto, entregou um texto das Leituras Católicas para Domingos ler. Depois de alguns minutos o menino retornou e repetiu todo o texto. Imediatamente Dom Bosco se convenceu que ali estava um bom tecido para ser trabalho e o levou a Valdocco. 

Mais um fato interessante aconteceu com o oratoriano Francisco Bessuco. Um dia ele procurou Dom Bosco e manifestou a dificuldade com as mortificações e sacrifícios. Imediatamente Dom Bosco disse a Bessuco, abrindo um diálogo: basta que saibas suportar o calor e o frio, a sede e a fome, sempre que se trate da salvação de teus companheiros, isto basta. Esse saber dialogar com os jovens de forma direta e reconhecendo seus valores e interesses é projetual e educativo.
De toda esta realidade amorosa educativa brota a familiaridade, quer dizer, a paternidade, a acolhida incondicional do jovem, o afeto. Nenhum desses elementos é simples e fácil, pois exige do educador o prazer de estar com os jovens. Que Dom Bosco nos ajude a desenvolver este amor que liberta.

Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação com especialização em Pedagogia para a formação religiosa e presbiteral, pós-graduado em Comunicação e Educação sexual e, atualmente, pároco em Manaus. É autor de diversos livros, sendo o mais recente O lado imaginário da fé, iniciação cristã à luz de São Cirilo de Jerusalém, pela Editora Palavra e Prece.

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Última modificação em Terça, 15 Janeiro 2013 19:14

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Aspectos do amor educativo salesiano

Domingo, 05 Agosto 2012 13:39 Escrito por 
Em preparação às comemorações pelo bicentenário de nascimento do fundador da Família Salesiana, São João Bosco, o reitor-mor dos Salesianos propôs um itinerário formativo. A proposta é que, a cada 16 de agosto (data de nascimento de Dom Bosco) e durante todo o ano subsequente, seja estudado um tema diferente. Para o período de 16 de agosto de 2012 a 15 de agosto de 2013, as reflexões devem ser feitas com a temática “Pedagogia de Dom Bosco”. Com o objetivo de subsidiar essas discussões com os alunos das escolas e obras sociais salesianas, o Boletim Salesiano inicia uma nova série sobre o tema. Neste artigo de abertura, padre João Mendonça, SDB, destaca as características da prática pedagógica de Dom Bosco: a disponibilidade, a simpatia e o diálogo com os jovens.


Educar para Dom Bosco era muito mais que transmitir conhecimentos. Na sua prática pedagógica aparece claramente o amor como: disponibilidade, simpatia e diálogo com os jovens, resumindo, familiaridade (conforme afirmado na Carta de Roma, em 1884).
Trata-se de uma relação que se estabelece entre educador e educando que transcende os limites de um simples contato. É um olhar afetuoso, é palavra clara e orientativa, é interesse pelos problemas reais, é fixar o olhar no jovem quando se fala com ele, é estar com ele e com eles sem condenações, mas na atitude de acolhida. Certamente será cansativo para um educador nos dias atuais desenvolver tais atitudes porque vivemos em uma sociedade marcada pelo tempo, pelo agora, por escolhas muitas vezes demasiado efêmeras e pessoais.
O educador salesiano – entenda-se por educador todo aquele que procura valorizar os potenciais humanos dos jovens –, precisará conhecer ainda mais o mundo juvenil e seus apelos, despojando-se dos preconceitos e abrindo-se ao diálogo de pátio que supõe tempo, vontade e iniciativa.
Portanto, o amor educativo salesiano é disponibilidade, quer dizer, saber colocar-se ao lado dos jovens, quem sabe conectado nas praças das mídias sociais ou mesmo no contato pessoal, para entender sua nova linguagem, às vezes muda, outras vezes rouca, talvez em forma de gritos que ultrapassam os ruídos das múltiplas mídias e, como bem disse Bento XVI na homilia do domingo de Pentecostes 2012, de uma era onde predomina a comunicação, embora o ser humano parece não se comunicar verdadeiramente ou até se sente ameaçado pelo outro. Ora, ser disponível aos jovens será para todos nós um desafio cotidiano e um saber romper os condicionamentos do muito fazer sem saber exatamente os motivos essenciais.

 

Simpatia

O amor educativo salesiano gera simpatia porque o educador não é um vigilante, mas um companheiro de viagem do jovem. Saber sorrir, mesmo enfrentando as dificuldades, desilusões e cansaços. Saber propor e suscitar esperança mesmo diante dos medos que sufocam e atropelam as idades juvenis como as drogas, a prostituição, a falta de oportunidades no trabalho, qualificação e vivência familiar. Saber alegrar-se mesmo diante da dor e do extermínio que machuca e mata tantos jovens em nossas cidades, periferias e bairros. Saber, enfim, criar espaços lúdicos, culturais, artísticos, religiosos que criem sinergia entre o que os jovens gostam e o que nos agrada.
Ilustro ainda este amor de simpatia com um fato. Nos inicios de outubro de 1887, entrou em Valdocco um jovem chamado Luís Variara, oriundo de Viarigi. Mais tarde Variara se tornará salesiano, missionário dos leprosos na Colômbia, fundador de uma comunidade religiosa – as Irmãs dos Sagrados Corações de Jesus e Maria – e, finalmente, candidato aos altares.  Pois bem, Variara alimentava um sonho: ver e falar com Dom Bosco. Entretanto, naqueles últimos meses de vida Dom Bosco não aparece tanto no pátio e raramente conversa com os meninos. Sua saúde estava muito debilitada. Contudo, num dia, enquanto estavam todos no recreio uma voz ecoou: Dom Bosco! Dom Bosco! De fato, Dom Bosco apareceu para dar um passeio. Todos correram para encontrá-lo. Luís buscou um lugar no meio da multidão para quem sabe tocar e falar com o pai Dom Bosco. Aconteceu algo que ele jamais esqueceria. Dom Bosco apenas apareceu e fixou o olhar no pequeno Variara. Sem dizer uma palavra falou ao coração do jovem oratoriano. Isto fez a diferença para Variara. E é isto que faz a diferença na simpatia com os jovens, quer dizer, ir ao encontro de suas necessidades reais e responder aos seus desejos.

Diálogo

Outro elemento fundamental deste amor educativo salesiano é o diálogo construtivo. Quando Domingos Sávio encontrou Dom Bosco pela primeira vez e pediu para entrar no oratório, Dom Bosco não achou a coisa mais acertada. Entretanto, entregou um texto das Leituras Católicas para Domingos ler. Depois de alguns minutos o menino retornou e repetiu todo o texto. Imediatamente Dom Bosco se convenceu que ali estava um bom tecido para ser trabalho e o levou a Valdocco. 

Mais um fato interessante aconteceu com o oratoriano Francisco Bessuco. Um dia ele procurou Dom Bosco e manifestou a dificuldade com as mortificações e sacrifícios. Imediatamente Dom Bosco disse a Bessuco, abrindo um diálogo: basta que saibas suportar o calor e o frio, a sede e a fome, sempre que se trate da salvação de teus companheiros, isto basta. Esse saber dialogar com os jovens de forma direta e reconhecendo seus valores e interesses é projetual e educativo.
De toda esta realidade amorosa educativa brota a familiaridade, quer dizer, a paternidade, a acolhida incondicional do jovem, o afeto. Nenhum desses elementos é simples e fácil, pois exige do educador o prazer de estar com os jovens. Que Dom Bosco nos ajude a desenvolver este amor que liberta.

Padre João da Silva Mendonça Filho, SDB, é mestre em Educação com especialização em Pedagogia para a formação religiosa e presbiteral, pós-graduado em Comunicação e Educação sexual e, atualmente, pároco em Manaus. É autor de diversos livros, sendo o mais recente O lado imaginário da fé, iniciação cristã à luz de São Cirilo de Jerusalém, pela Editora Palavra e Prece.

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